Nos longos dias e semanas em que os portugueses cumpriram o primeiro período de confinamento, a partir de meados de março, houve uma página no Facebook e Instagram que ajudou a tornar esses momentos mais suportáveis e, pasme-se, até divertidos, para muitos milhares de pessoas.
Corpo do artigo
Intitulado "Um dia de cada vez", o projeto do escritor David Machado e do ilustrador Paulo Galindro consistia em sugestões e ideias para tornar os dias caseiros mais produtivos para as crianças. Fosse "a restaurar memórias" já esquecidas ou simplesmente a ensinar a difícil arte de aprender a ficar quieto, deixando passar o tempo até que seja possível "começar a ouvir a conversa entre duas formigas".
A resposta dos leitores foi tão espontânea que, contra as expectativas iniciais, os mentores decidiram avançar para a edição em modelo "crowdfunding"(financiamento coletivo).
Mais uma vez, a adesão foi massiva: em apenas seis horas foram reunidos os três mil euros necessários para uma edição de 500 exemplares, o que os obrigou a uma tarefa hercúlea para fazer chegar a obra a tantos leitores.
"O contexto específico ajuda a explicar o êxito. Afinal, estávamos todos a viver a mesma realidade de confinamento", explica David Machado, ainda algo hesitante em avançar para um projeto similar no futuro.
Criados em tempos de pandemia, os textos e ilustrações procuram todavia sobreviver a este período, ao apresentarem situações universais que "podem fazer sentido a uma criança que abrir livro daqui a cinco anos e não saiba o que fazer num dia de chuva", diz David Machado.
Já com mais de 15 mil euros angariados e um milhar e meio de livros vendidos, "Um dia de cada vez" prepara-se agora para correr o país, sob a forma de apresentações ou na vertente expositiva.
A primeira sessão acontece amanhã à tarde, na Feira do Livro de Lisboa, mas já existem contactos adiantados para apresentar o livro noutras cidades.
A intensidade da experiência vivida faz com que David Machado permaneça muito ligado a um livro que apelida de "guerrilha", pela forma como souberam emancipar a obra do circuito tradicional.
"O processo abriu-me os olhos", adianta o autor de "A educação dos gafanhotos", "porque de repente percebi que há uma série de trabalhos feitos pelos editores, livreiros e distribuidores que também sou capaz de fazer".
Reconhecendo "ter ganhado muito mais dinheiro" do que numa edição convencional, o escritor não tem por objetivo "cortar a ligação com as editoras", a quem continua a reconhecer "um papel fundamental", mas admite que é tempo de elas se adaptarem aos novos tempos: "As editoras portuguesas têm ainda muito medo de deitar cá para fora o texto de um livro como estratégia de marketing, mas nunca nos passou pela cabeça que as pessoas fossem deixar de comprar o livro físico porque já conheciam o texto. E tínhamos razão em pensar assim. Mais de 90% dos compradores já conheciam o livro".