36.º ato de 39 da edição 2015: sueca muito concorrida de público, mas o concerto foi light e sem tempero. Onde é que ela aprendeu a falar português?
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Não é Lykke Li - o seu nome real é ordenado de outra forma e é completo Li Lykke Timotej Svensson Zachrisson e ela tem 29 anos - que vai destronar ninguém do coração nem do top dos melhores concertos do Vodafone Paredes de Coura 2015: Charles Bradley, Tame Impala, The War on Drugs e a super-potência Pond (foi no 2.º dia às 7 da tarde e varreu todo os espectadores do recinto de repente e atirou-os para a tenda preta pequena e para o íman psycho surf que emanava lá de dentro; de todos os 39, foi o concerto favorito do Canibal dos Mão Morta, um dos melhores espectadores de ferro que conheço).
O que é Lykke Li sem ofensa? Light goth pop para betinhos que hoje se veem mais e espalhados pelo resort, com os seus capuzes de guna de grife e os seus pólos claros e cheirosos a segurar copos de vidro fingido. Claro que foi música para muitos mais, também é dreamy e poppy e às vezes dá para dançar, mas sempre sem sair do mesmo lugar, com os pés como um beat encravado em loop.
Já foi emocionalmente mais potente, Likke Li, o seu novo disco tem sombras e parece que tem velas e as sombras delas e dos anos 80 derramadas sem fulgor. "I never learn", é esse o óbice, falta-lhe potência emocional - e som físico: a sua voz parece que sai coada de uma redoma opaca digital -, mas todos nos mantivemos ali nos patamares da encosta e rimos com ela quando ela falou português ("estao, estao bem?", perguntou ela sem acentos, "querem balar?", e ficamos a perguntar nós em que montanha diz ela de Portugal é que aprendeu a falar português) e às vezes viam-se braços a sorrir e a ondular pelos socalcos da encosta, todos nós cheios de música até às orelhas do coração, no 36.º ato de 39 da edição de Paredes de Coura 2015.
O resort está outra vez esgotado, é a última noite, o público está literalmente todo partido. Mas há sempre alguém preparado para dar tudo.
O público de Fuzz dá tudo em Coura
Ali no mesmo sítio, durante a tarde Natalie Prass contou-nos sobre os seus problemas de foro carnal. Foi um belo ato de country soul confessional, ela a rir-se de nos estar a contar canções sobre o desamparo, o medo, a fuga e as quedas do céu, vestida com um jumpsuit florido curto e sandálias altas douradas às tiras, com pernas longas de vidro preto onde à frente está a guitarra, que ela vai usar como se fosse um gigantesco pendente de mogno ao pescoço que ela acaricia com dedos finos. É sexy em palco, entrou ligeiramente nervosa e deitou logo um olho ao primeiro assobio que a saudou como um piropo, a olhar a fingir altivez como se fosse a longa Lauren Bacall. Trouxe um trio de mais uma guitarra, baixo e bateria e pose de calafrio de quem se leva a sério, mas sempre a sorrir lábios vermelhos, mesmo quando nos conta sobre as enfermidades do seu coração, o que é quase sempre nas suas canções.
Nesse mesmo espaço, três horas depois aterrou ali dentro uma nave espacial de space grunge toda feita de cabelo. Ty Segall na bateria (Ty parece uma criança de cabelo demasiado grande, loiro e revolto às tiras) está gordito na t-shirt vermelha, e tem a cara pintada de branco e os olhos aureolados de preto. É simultaneamente sinistro e comovedor porque ele está a rir-se com aquele riso satisfeito dos olhos das crianças. Ele é o baterista, está no meio à frente com um guitarrista e um baixista de cada lado e os três e estão a disparar Fuzz, nome da banda e efeito de distorção das guitarras que cria sujidade e quentura, além de uma parede elétrica e tudo aquilo é muito alto e alegremente violento. Ele também canta, Ty, os da frente estão ali todos colados só por ele e para o ver, mas o seu canto, cascado e agudo como se estivesse a ser esganado, é minimal porque não é possível disparar aquela violência de polvo dos paus das baquetas e estar simultaneamente a cantar. E quando canta, enquanto o seu cabelo se entretém ainda a voar, inclina-se para a esquerda por cima do microfone que tem à altura do ombro.
O voo louco dos seus cabelos é um belo espetáculo mas há outro melhor: o dos voos do público (voa tudo, copos, casacos, jorra cerveja, do meio para a frente é tanta a vozearia que parece que se pode apalpar no ar), aos milhares e como acendalhas incendiárias comportam-se como se quisessem literalmente entrar para dentro da música. O crowdsurf é agora, ao quarto dia, um passatempo permanente quando há intensidade elétrica no ar e é para cima disso que se atiram os espectadores de ferro dos Fuzz, levados como em cadeiras que parecem partidas ou a parecer estrelas abertas a sorrir, todos tortos e eufóricos a berrar de felicidade pela memória que vão ter para contar, e assim vão pelo ar nos braços dos outros que ali dançam convulsivamente como eles, até que chegam às mãos dos seguranças que os puxam pelas pernas, pelos braços, pela bacia revolta, até os porem em segurança no chão do fosso que separa os artistas nos concertos com grades de leões, eles estonteados, todos cheios de aura, só agora a realizar o que acabou de lhes acontecer. O Vodafone Paredes de Coura 2015 acaba esta madrugada de sábado no frio e alto Minho. Já há quem conte os dias para voltar, é de 17 a 20 de Agosto de 2016.