Mais do que o local da sessão de apresentação de um livro sobre a poesia de Manuel António Pina, a Biblioteca Almeida Garrett foi, na tarde deste sábado, o ponto de encontro para que amigos e leitores recordassem o escritor, falecido há 10 anos.
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"Os muitos Pinas que há em Pina" estiveram em foco na sessão de lançamento da nova edição de "A presença e o mistério", uma introdução à poesia do autor de "Cuidados intensivos" com a chancela da Exclamação. O poeta e o homem apareceram antes de todas as outras, mas não faltaram mais dimensões, algumas das quais menos conhecidas do grande público, apresentadas sob a forma de episódios soltos na conversa entre Rui Lage e Álvaro Magalhães que constituiu o cerne de uma sessão na qual não faltaram ainda leituras de poemas, uma atuação d'Os Gambozinos e uma leitura dramática pela companhia Pé de Vento.
Todas essas facetas convergiam na criação de uma poesia que, na ótica do autor da biografia "Para quê tudo isto?", era "uma autêntica máquina de criar complexidade", sempre amparada pelo mistério. Amigo e confidente do poeta, Magalhães recordou que "Pina validava apenas os poemas que não conseguia entender", num processo contínuo de afastamento de si mesmo que atribuía à linguagem um poder central. O mesmo acontecia ao leitor, participante ativo num jogo literário ao longo do qual o assombro e a perplexidade eram visitas frequentes.
Já Rui Lage, enfatizou "a dimensão metafísica" dos poemas de Manuel António Pina, habitados "pela suspeição e pela dívida, sem serem do desespero". Neste "mistério que está além das palavras" de que se alimentava a escrita do poeta, Lage colocou em relevo a ausência de epígonos, mas também a dificuldade em enquadrá-la nalguma corrente. Se, na primeira parte da sua obra, Nietzsche e Lao Tsé apareciam como referências obrigatórias, a partir de meados da década de 1990 ela foi-se autonomizando de forma cada vez mais notória. "É uma poesia que não só não se arruma, como serve para desarrumar", sentenciou Álvaro Magalhães, para quem "Pina escreveu um único livro", tão fortes os pontos de contacto entre a primeira obra, "Ainda não é o princípio nem o fim do mundo; é apenas um pouco tarde", e a derradeira, quase quatro décadas mais tarde, "Como se desenha uma casa".
O silêncio, a casa e o quotidiano eram ainda, de acordo com o autor do ensaio "A presença do mistério", traves de uma poesia "singular", em que "o eu é o intruso de si mesmo", defendeu.