Chega ao fim um longo e inebriante fresco histórico traçado com virtuosismo pelo criador francês Jean-Pierre Gibrat.
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Com a recente publicação pela Ala dos Livros da sua 6.ª época, "Mattéo" é mais uma série de banda desenhada integralmente editada em português. Com algumas atribulações, é verdade, a exemplo da vivência agitada do seu protagonista, uma vez que, depois de iniciada pela Vitamina BD em 2009, só seria retomada uma década mais tarde, mas ainda a tempo de acompanhar o volume final francês.
Percorrendo 30 anos da História europeia, "Mattéo" acompanha os grandes momentos da I Guerra Mundial, da revolução socialista na Rússia e da Guerra Civil espanhola, para terminar na II Guerra Mundial.
Ao longo desses anos conturbados, seguimos o protagonista que dá nome à série, muitas vezes simples peão no meio de acontecimentos imparáveis com ritmo próprio ou companheiro (sempre) fiel dos amigos que a vida lhe foi propondo, tanto movido pelas utopias que embalaram alguns daqueles movimentos, quanto pelos seus interesses pessoais - leia-se aqui: as paixões que foi vivendo, como as belas Juliette e Amélie, ou as deslocações forçadas pela fuga às autoridades ou ao invasor.
Pagando cara a sua impulsividade, entregando-se completamente em nome da amizade ou das crenças comuns, crente num mundo melhor e mais equitativo com igualdade e justiça para todos, mas sucessivamente traído e desiludido pela realidade que abafou utopias e amanhãs cantantes, Mattéo percorreu meia Europa, vendo e vivendo de perto o crescimento de utopias e assistindo desolado ao seu estrepitoso tombar.
Nesta 6.ª época, com o seu mundo a desmoronar-se devido à ascensão da Alemanha Nazi após a vitória de Franco em Espanha, Mattéo, de volta ao ponto de partida, embora sofra na vida e na pele as consequências do conflito e da invasão da França, vai passar ao lado dos acontecimentos, impulsionado mais uma vez por interesses pessoais: a procura do filho que o desconhece como tal. Desta forma, termina, sem ficar fechado, um longo e inebriante fresco histórico traçado com mestria, delicadeza e virtuosismo por Jean-Pierre Gibrat, de um modo inesperado mas coerente, que vinca a importância do ser humano sobre as ambições de alguns e a predominância de valores como o companheirismo, solidariedade, dedicação e entrega em prol dos outros.