A 17ª edição do festival de música eletrónica terminou já na manhã deste domingo. Viana do Castelo recebeu certame com meio pé dentro da Romaria d’Agonia. E esgotou, com mais de 30 mil pessoas.
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É certo que a música eletrónica é descrita, principalmente pelos seus apreciadores, como sendo capaz de transportar a uma nova dimensão quem a isso se propuser. O Neopop, talvez fiel a essa premissa, não nos transporta apenas para uma nova dimensão – o festival que acontece circundando as muralhas do Forte de Santiago da Barra, em Viana do Castelo, decorre numa diferente dimensão, num universo distinto e, principalmente, num fuso horário díspar. Aqui, as quatro horas da manhã são a nova meia-noite.
Os três dias da 17.ª edição do Neopop pareceram seguir uma fórmula semelhante. Arrancar tímido, um aquecimento prolongado, o pico já de madrugada e, na última atuação, já com o sol a aquecer os corpos resistentes, metade segue direto para o pequeno-almoço – sem ter sequer passado pela cama. De quinta-feira a esta parte, Viana do Castelo foi, tal como há já perto de 20 anos tem sido, a “capital do techno”.
Com mais de dez mil espectadores por dia, o Neopop esgotou e superou os mil espectadores totais.
"Uma cidade muito acolhedora"
O JN encontrou Inês Machado a sair do terceiro e último dia de festival. São perto das 10 horas da manhã de domingo e ainda ia atuar a palestiniana Sama’ Abdulhadi, que daria por encerrado o Neopop 2024. Já tínhamos conversado com Inês, jovem residente no Porto, no segundo dia de festival, sexta-feira, quando contou ser estreante no certame. Pouco mais de um dia de experiência no Neopop foi o suficiente para o veredicto: "É um festival que sabe receber”. Por várias razões.
A segurança sentida mesmo estando num grupo só de mulheres, as casas de banho sem filas ou sujidade, os bares “de farta” pelos quais não se tem de esperar, o recinto confortável, a qualidade técnica do som e imagem nos palcos. Estes são alguns dos elogios traçados pela festivaleira, a par de ter conhecido uma cidade “acolhedora” onde nunca tinha antes estado.
Uma mistura intergeracional
Não deve ter sido caso único. Este fim de semana, o Neopop fundiu-se com uma cidade às portas de dar início à sua romaria – e foi, para muitos, o cartão de visita para conhecer uma nova terra ou para recordar a cidade que todos os anos os acolhe. As Festas em Honra de Nossa Senhora da Agonia decorrem entre 14 e 22 de agosto, mas a venda de rua, a música, as farturas e as diversões já se vão vivendo. Nestes últimos dias, essa vida foi-se confundido com a do Neopop.
Nas horas antes do festival começar – à quinta e sexta-feira arrancou pelas 17 horas e no sábado apenas pelas 22 horas – os “neopoppers” iam-se espalhando pelas esplanadas, pelas ruas e pela romaria vianense. Não haverá melhor do que uma fartura para aguentar uma noite de “rave”, deverão muitos ter pensado.
Numa festa popular que já por si atrai milhares de fora, da cidade e do país, os festivaleiros da eletrónica foram mais uns quantos milhares a juntar à festa. E houve lugar para todos nesta mistura intergeracional.
Até para uma competição saudável, pelo menos a julgar pelo ponto de bebidas no correr de comércio da Romaria d’Agonia que, na noite de sábado e com uma singela coluna de música, passava sons semelhantes aos que se ouvia no grande palco do Neopop. Uma pequena amostra à porta do festival.
João Botelho dança entre a juventude
O recinto do festival fixa-se circundado pela romaria, ladeado pelas diversões e pelas barracas de rua. Os holofotes que fazem sair freixos de luz do Forte de Santiago da Barra e a música “estranha” – comentário ouvido aqui e ali na rua – que se mistura com a polifonia das diversões populares, atraem curiosos. Não foi raro, até já de madrugada, ver famílias ou casais a chegar-se às barreiras de entrada apenas para ouvir mais de perto, para apreciar aqueles que entravam e magicar o que ali dentro se deveria estar a passar.
O que lá dentro se passou foi uma mistura de grupos, nacionalidades (era quase mais comum ouvir castelhano do que português) e idades – não passou despercebida a presença mexida do realizador João Botelho, aos 75 anos, na linha da frente de vários concertos nos três dias de Neopop.
Ainda que sempre recebidos com energia, os portugueses presentes não foram os que fizeram enchentes. No segundo dia de festival, sexta-feira, foi necessário esperar pelos veteranos da cabine Chris Liebing e Luke Slater, numa rara aparição conjunta, para que a multidão se preenchesse para lá da estátua de homenagem à mulher vianense – símbolo incorporado no epicentro do recinto.
A ideia repetiu-se no sábado, dia ao qual Tiago Fragateiro fez as honras da casa pelas 22 horas para um tapete de relva sem um único pé em cima. Foi preciso esperar cerca de meia hora para a primeira meia dúzia de resistente se aproximar e dar início a uma pista de dança que só pegou fogo – quase literal dado o efeito vermelho incandescente causado pelas luzes que iam aparecendo – já com Amelie Lens em palco, pelas 5 horas da manhã.