Instituições e artistas nacionais entram a tatear num mercado internacional de grande volatilidade.
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A sigla NFT (token não fungível) revolucionou o mercado, criando esta semana mais dois bilionários, mas ainda há muita confusão sobre o esquema que uns consideram o futuro e outros preferem olhar com um certo ceticismo. Os NFT comprovam a propriedade de um ativo digital exclusivo, como arte, música, vídeos, com recurso à tecnologia "blockchain".
Os certificados documentam quem e quando criou, quem comprou e quando, o preço, e quem é o dono destes ativos digitais exclusivos. Portugal não ficou imune à tendência e até César Mourão lançou o "NFT do César Mourão", o primeiro de um comediante português.
CROMOS POR PROTEÇÃO
A 1 de dezembro, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) inaugurou a plataforma Artentik, com peças de arte em NFT, cujo proveito reverte para causas sociais. É "um olhar para o futuro e uma forma de mostrar a coleção do Museu de São Roque, pouco conhecida, criando oportunidade de financiamento para obras que não podemos vender", diz ao JN Ilda Marcelino, coordenadora do projeto Artentik.
O conceito ainda causa alguma confusão. Quem compra uma peça da Artentik não está a adquirir um bem físico: "Compram um bem digital num mercado onde há muita especulação. O mesmo fenómeno dos cromos dos anos 80 e 90".
Nos 45 dias que levam de plataforma, as peças mais procuradas têm sido os relicários de São Francisco Xavier, São José e Santo Espinho. Há uma crença que os relicários davam "sorte, proteção e bem-estar. Se antigamente o faziam com medalhas na carteira, agora podem fazê-lo com NFT", refere Ilda Marcelino.
Além dos NFT das peças da sua coleção, a SCML apostou em obras de arte nativas digitais. A primeira, "Monsieur Manicómio, the first one", foi criada por artistas do projeto Manicómio, com receitas em prol da saúde mental. Se um NFT dos relicários pode custar 100 euros, a obra da Manicómio ascende aos 1500 euros. Os valores em euros são meramente orientativos. A procura do mercado foi positiva e chegou em partes iguais das Filipinas e de Portugal.
Perspetiva de artista
O artista Miguel Januário teve a primeira experiência com NFT na exposição Ephemeral Eternal, em abril de 2021. Um projeto coletivo da Galeria Underdogs que incluiu trabalhos originais de 40 artistas. Apesar de se assumir como um leigo na matéria, admite que esta é "uma nova fase que estamos a viver nas artes, na sociedade e na política. Os NFT são uma forma de salvaguardar a arte digital. Antes do blockchain não havia uma garantia de selo artístico na selvajaria do mundo de hoje". Ainda assim, a velocidade "hiperturbo e esta hype em que pessoas de 18 anos, de pijama, ficam ricos", o deixam um pouco cético. "A democratização do capitalismo é irónica. Até na selvajaria é democrático". E exemplifica: "Se alguém quer ver a Mona Lisa vai ao Louvre, mas isso vai deixar de ser assim". Numa realidade distópica, "alguém pode estar em casa, põe uns óculos e vai a uma festa e ver os NFT" dos anfitriões. Todavia, Januário não crê que seja uma ameaça para a arte real: "A fotografia foi perigosa para o desenho e este adaptou-se".