Jean-Marie e Arnaud Larrieu são os realizadores de “O Romance de Jim”, já nos cinemas.
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Autores de um cinema independente e muito pessoal, quase sempre situado nos Pirenéus de onde são oriundos, os irmãos Jean-Marie e Arnaud Larrieu instalaram-se numa outra cadeia montanhosa, no Jura, onde realizaram o belo e delicado “O Romance de Jim”. Karim Leklou, que venceu o César de Melhor Ator por este filme, é um homem que reencontra uma antiga conhecida, que está grávida, e com ela cria a criança. Mas ao fim de alguns anos o pai biológico de Jim está de volta… Em Paris, os irmãos Larrieu falaram ao JN.
O que vos interessou no romance de Pierric Bailly em que o filme se baseia?
Jean-Marie Larrieu – Para começar, uma geografia. Passar-se numas montanhas que não são as nossas. O Jura tem uma sociologia particular, com fábricas e uma agricultura em altitude. As pessoas podem trabalhar de dia e à noite subir na montanha para voltar a casa. Isso não temos nos Pirenéus, que é mais turístico. Isso era muito preciso no romance. O Pierric achava que nós íamos filmar nos Pirenéus, mas dissemos logo que não.
E a personagem da história, como vos seduziu?
JML – É uma personagem como não vemos muito, um rapaz muito gentil, mesmo para lá do que é habitual. Mas há muitas pessoas assim e normalmente não as vemos no cinema. E havia um tipo de realismo de que gostamos muito, impuro, como na vida. Pode-se ser professora e gostar de ir a festas de música eletrónica. Pode estar-se grávida mas gostar de fazer amor e ir a concertos rock. A vida é assim.
E o tema da paternidade, que é dominante no vosso filme…
Arnaud Larrieu – Não se fala muito disso, mas em quase todos os nossos filmes há uma história de paternidade. Ou o pai não é o pai, ou o pai receia não ser realmente o pai dos seus filhos. Talvez o Pierric tenha pensado nisso, porque foi ele que que efz com que lêssemos o livro. Mas o resumo que o editor nos fez pareceu-nos demasiado sociológico. Não é para isso que fazemos filmes.
Há uma explicação para esse interesse no tema da paternidade?
AL - Não sabemos porque o tema é recorrente nos nossos filmes. Mas sabemos o que provoca na ficção. Retirar o pai, retirar a função da personagem. Interessa-nos mais em termos dramatúrgicos do que sociológicos. Como é que nos tornamos pais, sem o sermos.
JML – Quase que podemos filosofar sobre isso. Gostamos muitos de trabalharmos o que é um papel na vida. A todos nós nos é dado um papel na vida. E cabe a nós representá-lo ou não. É a filosofia de Sartre, a existência precede a essência. Depois cabe à vida redistribuir as cartas. É isso que gostamos de trabalhar.
Esta história também nos chega num momento em que se discutem os novos modelos de família.
JML – Isso também, mas desde sempre que nós gostamos de mostrar que um casal heterossexual é tão bizarro como qualquer outra composição em que possamos pensar.
AL – A norma existe para esconder as coisas. Talvez haja menos filhos ilegítimos que antes, ou pelo menos não estão tão escondidos.
É difícil imaginar hoje o filme sem o Karim Leklou.
JML – Escolhemo-lo, depois de termos passado horas a ver outros atores. Por vezes, quando escrevemos, estamos a pensar num ator. Mas depois alguns não estão livres ou não querem fazer o filme. Fizemos quatro meses de castings, foi muito mais complicado do que estava previsto, havia sempre qualquer coisa que faltava. O Karim foi dos últimos que vimos. Achávamos que tinha um ar melancólico, arriscava tornar-se um pouco triste.
Como é que decidiram então?
JML – Na véspera de termos de tomar uma decisão tomámos um café com ele. Começámos a ouvi-lo falar do guião. E percebemos a força que ele tem e que não se vê nas fotografias. Eu e o meu irmão olhámos um para o outro e em poucos minutos tínhamos tomado a decisão de o escolher.
AL – O Karim é alguém de muito calmo, nunca está inquieto, sabe ouvir o que lhe dizem.
Falando de atores, a Laetitia Dosch é outra grande força do filme.
JML – É quase perturbador, o que a Laetitia tem. É como uma música muito particular. Não é como outras atrizes em que se pode dizer que representam a vida com um grande realismo. Ela não interpreta como na vida. Mas, é estranho, diríamos que é alguém que podíamos encontrar na vida.
AL – Nós queríamos muito que fosse ela a Florence. Há um certo grau de loucura na personagem, mas também de realista. Cada vez que ela propõe qualquer coisa, não pensa nos problemas que lhe pode causar.
O cantor Bertrand Belin, que interpreta o pai biológico de Jim, já tinha sido vosso ator no filme anterior, “Tralala”.
JML – E também é escritor. Há um livro dele prestes a sair. Neste filme ele fez-nos uma proposta muito interessante. Não quis salientar a sua beleza ou valorizar-se através da personagem. Para o filme anterior era importante pata nós que tivesse aquela beleza e aquele carisma. Aqui demorámos a perceber o que ele propunha, que no fundo é um tipo patético. Mas é uma personagem muito bem criada e composta.
AL – É bom precisar que ele, na sua vida, vem de um meio extremamente popular, o que muita gente não sabe, visto que tem aquela imagem de dandy parisiense. O pai era um marinheiro alcoólico e violento. A proposta que ele nos fez vem do seu conhecimento desse meio.
Como é que dividem as tarefas, desde a escrita do guião até à montagem?
JML – Evoluiu um pouco ao longo do tempo. Hoje escrevemos na mesma sala. Antes estávamos cada um para seu lado e trocávamos o que escrevíamos.
AL – Ao falarmos com outros realizadores, percebemos que toda a gente trabalha com alguém. Pode é não ser a mesma pessoa em todas as etapas. É claro que há os puros solitários.
JML – Há genéricos onde se vê que a mesma pessoa fez tudo num filme. Mas o que seria de Hitchcock sem a mulher dele? O cinema não é como a pintura, onde o artista está sozinho face à tela. O que é certo é que se escrevêssemos romances, escreveríamos a solo. Depois mandamos para o produtor e temos um consultor de guiões.
E estão sempre de acordo?
AL – Umas vezes sim, outras vezes discutimos bastante um com o outro. Mas o facto de termos um consultor dá-nos mais liberdade, porque sabemos que alguém nos está de certa forma a vigiar. E nesse caso podemos tomar certas liberdades, porque o que escrevemos vai ser escrutinado mais tarde. Para simplificar e responder à sua pergunta, é verdade que há um de nós que se concentra mais nos diálogos e o outro na estrutura. Mas há nuances.
E durante a rodagem?
JML – Durante algum tempo era o meu irmão que trabalhava com a câmara e eu que falava com os atores. Agora com os monitores deixamos a equipa de imagem trabalhar sozinha e nós controlamos tudo nos monitores. E durante a montagem somos três. Trabalhamos sempre com a mesma montadora, que é a minha mulher.
AL – É importante dizer isto. Há a forma e o conteúdo. Quando recebo a sinopse do Jean-Marie, sei que vai ter a sua forma, um pouco romanesca. Mas eu sou obcecado pela forma do filme. Há a história, claro, mas o importante é como a vamos contar. E é lá que o trabalho a dois começa.