Heidi Klum e Eva Longoria desafiaram novas regras de vestimenta feminina.
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Deveríamos estar a falar de cinema, mas perante tamanho ridículo não é possível ignorar o que se passou, na terça-feira, em Cannes, na primeira passadeira vermelha do festival que celebra 78 edições. É que a organização do festival, já muito exigente relativamente à indumentária masculina para as sessões de gala, como foi a de ontem, na abertura, criou um código de vestuário feminino, proibindo qualquer tipo de nudez, mesmo vista através de transparências, e vestidos de cauda volumosa.
No primeiro caso, é “por razões de decência”, mostrando que Cannes já não é o que era e sobretudo que vivemos num outro mundo, onde o conservadorismo vai ganhando terreno, mesmo onde menos se esperava, um festival que celebra o cinema e a cultura, impensáveis sem liberdade. Quanto aos vestidos de cauda mais longa, trata-se de impedir assim que as estrelas que os vestem demorem demasiado tempo a subir a passadeira, levando a que as sessões comecem fora de horas!
Ora, nada melhor do que se chamar Heidi Klum ou Eva Longoria para se provar que há interdições difíceis de pôr em prática. Pelo menos, no que respeita aos vestidos longuíssimos, sobretudo o da modelo alemã. Quanto a transparências, a temperatura exterior também não convidava. Esperemos por dias mais quentes…
Entretanto, lá dentro, Juliette Binoche, presidente do júri, evocava a jovem fotógrafa palestiniana Fatma Hossana, que deveria estar em Cannes com o filme que retrata o seu trabalho, se não tivesse sido morta por um míssil israelita, Robert De Niro recebia de Leonardo Di Caprio a Palma de Ouro de Carreira, voltando a lançar uma indireta bem direta ao presidente americano, referindo-se à escalada do fascismo, que coloca em causa a liberdade do cinema e das artes, Mylène Farmer interpretava um tema inédito de homenagem a David Lynch e Quentin Tarantino, de forma efusiva, abria formalmente o Festival de Cannes deste ano.
E para abrir, fora de competição, uma novidade: um primeiro filme realizado por uma mulher. “Partir un Jour” é uma extensão de uma curta-metragem da mesma realizadora, Amélie Bonnin, vencedora de um César, com uma inversão de protagonistas. Enquanto no primeiro filme era um homem que regressava à terra natal, reencontrando um amor de juventude, agora é uma chefe de cozinha de 40 anos que volta a casa, quando o pai adoece.
A outra novidade é que Amélie Bonnin transforma o seu filme num musical, recheado de alguns temas conhecidos do repertório clássico da canção francesa, dando o protagonismo à cantora Juliette Armanet. O filme tem por vezes algum encanto, mas a realizadora não domina o género e o filme ressente-se de uma falta de empatia das personagens com o espetador. Mais uma vez, Cannes arranca mal. A partir de hoje, tem a palavra a competição.