O brigantino assina a curadoria da exposição “O Poder do Objeto” patente em Vila Nova de Cerveira.
Corpo do artigo
A obra de Alberto Vieira (PT, 1956), com expressão no espaço público, fundamentalmente, minhoto, não privilegia matérias, diversificando-se entre a pedra, os metais e a cerâmica. A coleção da Fundação Bienal de Arte de Cerveira (FBAC) integra duas obras do escultor bracarense que expõe, coletivamente, desde 1989 e, individualmente, desde 1994. “Casa-tanque”, de 2003, (em destaque na imagem) é um objeto interativo, em metal, que através de um sistema mecânico itinera a sua posição entre a forma de um tanque de guerra e a de uma casa estilizada, levando-nos a refletir sobre a forma como a guerra se tornou no nosso quotidiano.
Para além da dimensão estética do objeto, a intensidade e pertinência da mensagem e a combinação de tecnologias que vão do trabalho em metal à mecânica, fazem desta obra um espelho dos nossos dias. No seguimento da exploração de materiais de sugestão industrial e no encadeamento dos objetos com um certo pendor satírico, em 2005, Alberto Vieira produz “Verde Minho” com recurso aos metais e a uma sobreposição de elementos, que nos iludem pela semelhança a pneus, mas que assumem a forma de corações. Alberto Vieira esculpe como quem escreve um poema e o seu trabalho, altamente social e político, reveste-se de sentido de humor, provocando-os sentimentos dúplices.
Estas duas obras de Alberto Vieira integram, até 24 de fevereiro de 2024, a exposição “O Poder do Objeto” com curadoria de Jorge da Costa (PT, 1968), patente na Galeria Bienal de Cerveira e parte da estratégia da FBAC de convocar novos olhares sobre a sua coleção onde se contam cerca de 50 anos da História da Arte nacional e internacional, acompanhando a História e as estórias da construção da democracia em Portugal. Jorge da Costa, natural de Bragança, foi professor até 2007 tendo assumido, em 2008, a direção artística do Centro de Arte Contemporânea Graça Morais que se tornou numa referência cultural e num exemplo de como a persistência num projeto consegue inscrever uma estrutura de criação e programação artística e, consequentemente, um território, no mapa. Jorge da Costa dirige, desde finais de 2022, o Museu do Abade Baçal, igualmente em Bragança, continuando a assinar curadorias independentes em diferentes pontos do país. É, já o repeti em diferentes contextos, uma das pessoas que melhor programa arte contemporânea em Portugal.
Na abordagem à coleção da FBAC, Jorge da Costa fez uma seleção de obra de 33 artistas, de sete nacionalidades e diferentes gerações, que têm em comum a utilização do objeto do quotidiano, em derivações duchampianas, e que, ou através da apropriação, da maximização da escala ou da integração em composições multinível, carregam consigo reflexões sobre o nossos tempos e espaços de encontro e conflito. A exposição organiza-se a partir de diferentes núcleos, não isentos de contágios entre si, que abordam temas como a condição da mulher, as relações amorosas, o capitalismo selvagem, as preocupações com o meio ambiente, a memória e o arquivo ou, inevitavelmente, a guerra e o conceito de fronteira.
“O Poder do Objeto” é um projeto curatorial político, que não perde a poesia da ligação entre formas, cores e outras dimensões plásticas das obras de arte, tendo a particularidade de se concentrar em produções do século XXI, propondo uma visão desta transição Histórica de que todos fazemos parte, antecipando leituras de futuro e consciencializando-nos sobre o mundo que estamos a construir/destruir. Uma exposição que é exemplo do poder que pode ter uma boa curadoria.