O regresso do pianista Pedro Burmester à Casa da Música, de que foi diretor artístico e um dos grandes ideólogos, é sempre um acontecimento. Neste sábado, às 18 horas, na Sala Suggia, encerra mais um Ciclo de Piano Fundação EDP, revisitando a obra de Bach, Beethoven e Liszt.
Corpo do artigo
Houve um tempo em que Pedro Burmester criava em cada concerto uma barreira de segurança com a assistência, procurando manter-se imune à sua presença. Não por arrogância ou vedetismo, mas por entender que era a melhor maneira de potenciar o virtuosismo, sem interferências pelo meio.
2016/12/burmester_final1_1_1_20161217011930
A longa passagem pela Casa da Música (CdM) tudo mudou. "Ter estado do outro lado fez-me gostar mais do público. Senti que a sua presença era importante. A bolha que criava não fazia sentido, pois é preciso tocar para os outros e não para si mesmo", observa, ressalvando gostar "cada vez mais" das plateias. Qualquer que seja a sua dimensão: "A entrega é sempre a mesma, quer seja para três ou para três mil pessoas".
Neste sábado, às 18 horas, quando subir ao palco da Sala Suggia, no encerramento de mais um Ciclo Piano Fundação EDP, estará a dar início a um "concerto de afinidades", reconhece. Por ser num local que o próprio ajudou a conceber e a projetar - "continua a ser uma casa muito familiar para mim", diz -, mas também pelo reportório escolhido, em que avultam obras de Bach, Beethoven e Liszt, "os meus companheiros de vida", como os qualifica.
A relação com cada uma das obras que vai interpretar é especial. A marcante "Sonata ao luar", por exemplo, está presente na sua vida desde os 15 anos. Com a música de Beethoven passou por diferentes fases. Nem sempre pacíficas. Acima de tudo, pela pretensa falta de liberdade que os intérpretes encontram nas suas obras, ao contrário do que acontece com Bach. "Com o tempo fui-me apercebendo que o espaço está lá na mesma, mas não é tão evidente", diz.
"Insultado" por Rui Rio
Já lá vai uma década e meia desde que a CdM entrou na sua vida, na altura ainda um eixo estruturante da Capital Europeia da Cultura.
Não imaginava, porém, que a sua estreia na sala apenas ocorreria há três anos, como consequência de um boicote de dez anos, por discordar da política de cultura de Rui Rio, "Senti-me insultado por uma autarquia que ignorava a questão cultural", recorda, satisfeito por, entretanto, "as artes terem voltado a ter um papel afirmativo no Porto".
A emoção que se apoderou do pianista na estreia foi evidente e estendeu-se à própria plateia, ainda mais recetiva do que o habitual. "Estava mais nervoso do que o costume. A expectativa era grande, mas até por esses fatores havia uma vontade para gostar maior do que o normal", lembra.
Ainda hoje, quase 50 anos depois das primeiras incursões pianísticas, Burmester procura aplicar os valores do rigor e entrega que lhe foram transmitidos por executantes ilustres como Helena Sá e Costa, de quem "ainda hoje" se lembra muitas vezes. "Aprendi a lidar com a exigência desde muito novo. Não bastava fazer mais ou menos: era preciso fazer muito bem".
Esse sentido de exigência responsabilizou-o desde muito cedo, embora hoje, com filhos pequenos já embrenhados na aprendizagem musical, tenha "muitas dúvidas" em incutir-lhes uma pressão idêntica àquela por que passou tantos antes. Mesmo que o apelido Burmester traga, só por si, "uma certa pressão", admite.