Desde 2006 e “Juventude em Marcha”, de Pedro Costa, que o cinema português não tinha acesso à exclusiva seção competitiva do Festival de Cannes. Um facto que muita gente questionava, por não corresponder de todo ao prestígio internacional do cinema português.
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Essa lacuna acaba de ser colmatada com o anúncio da seleção de “Grand Tour”, uma produção de Uma Pedra no Sapato, dirigida por Miguel Gomes, na conferência de imprensa onde Thierry Frémaux apresentou os títulos dos filmes que este ano vão concorrer à Palma de Ouro.
Esta seleção representa o regresso a Cannes de Miguel Gomes, onde já apresentara em 2008 “Aquele Querido Mês de Agosto” e em 2015 a trilogia “As Mil e uma Noites”, mas de ambas as vezes na Quinzena dos Realizadores. Na apresentação da seleção oficial, Thierry Frémaux manifestou-se “contente por receber Miguel Gomes na competição, com um filme em parte a preto e branco, em parte a cores, de uma grande virtuosidade visual e que nos permite acolher uma das vozes mais singulares do cinema europeu, neste caso, português.”
A história do filme, uma coprodução entre Portugal, Itália, França, Alemanha, Japão e China, protagonizado por Crista Alfaiate e Gonçalo Waddington, decorre em 1917 e tem início em Rangum, na então Birmânia.
Segundo a sinopse oficial divulgada pela produção, “Edward, um funcionário público do Império Britânico, foge da noiva Molly no dia em que ela chega para o casamento. Nas suas viagens, porém, o pânico dá lugar à melancolia. Contemplando o vazio da sua existência, o cobarde Edward interroga-se sobre o que terá acontecido a Molly… Desafiada pelo impulso de Edward e decidida a casar-se com ele, Molly segue o rasto do noivo em fuga através deste Grand Tour asiático.”
Em conversa com o JN e questionada sobre o que esta seleção pode representar num momento em que se aguardam as linhas de força da política cultural do novo governo, nomeadamente para o cinema, a produtora Filipa Reis disse: “Representa um triunfo da política que tem vindo a ser implementada e reforçada mesmo, com o Fundo de Apoio ao Turismo, um mecanismo muito importante que apareceu nos últimos anos. É um triunfo daquilo que tem sido feito e um incentivo a que possa ser reforçado.”
Filipa Reis salienta que este filme só foi possível com esses apoios, a que se juntou a RTP. “Foi graças a isso que conseguimos liderar esta produção, chegar aos nossos parceiros e coprodutores mais equiparados do que chegávamos antes. É importante perceber-se que estes filmes só são possíveis porque a eles se juntam parceiros internacionais. Sem essa estratégia de coprodução não seria possível fazer estes filmes só com o dinheiro que existe em Portugal”, sublinha a produtora, que nos revelou que o orçamento do filme ascende a quatro milhões e meio de euros.
A produtora explicou-nos como se processara a seleção do filme, há muito mantida em segredo. “Nós mandámos o filme para Cannes ainda bastante cedo, em meados ou fins de novembro. E logo nos primeiros dias de dezembro o Miguel recebeu um email a dizer que já o tinham visto e que tinham gostado mesmo muito do filme e se o Miguel estaria por acaso perto de Paris. O Miguel foi a Paris, reuniu-se com eles e passada uma semana tínhamos a seleção. Foi rápido, achámos que era um bom sinal.”
Coppola regressa à competição de Cannes
50 anos depois da Palma de Ouro de “O Vigilante” e 45 anos depois de repetir o feito com “Apocalypse Now”, Francis Ford Coppola, que acaba de completar 85 anos, está de regresso a Cannes, onde vai estrear mundialmente “Megalopolis”, cujo orçamento de 120 milhões de dólares foi financiado totalmente do seu bolso. O seu amigo e parceiro de várias aventuras, George Lucas, receberá a Palma de Ouro honorária deste ano.
Ao seu lado na competição estarão, entre outros, os últimos filmes de Ali Abassi, Karim Ainouz, Andrea Arnold, Jacques Audiard, Sean Baker, David Cronenberg, Christophe Honoré, Jia Zhangke, Yorgos Lanthimos, Paul Schrader, Kirill Serebrenikov ou Paolo Sorrentino.
O festival terá como filme de abertura, a 14 de maio, fora de concurso, “Le Deuxième Acte”, a nova comédia de Quentin Dupieux, o mestre francês do cinema do absurdo. Já anunciados anteriormente, Cannes verá também em estreia mundial, “Furiosa: A Mad Max Saga”, como sempre assinado por George Miller, e a primeira das quatro partes de “Horizon, An American Saga”, um épico escrito e realizado por Kevin Costner.
Além dos filmes da seção Un Certain Regard, também hoje anunciados, o festival terá pela primeira vez uma Competição Imersiva, para produções em Realidade Virtual. A Palma de Ouro que sucederá a “Anatomia de uma Queda” será anunciada ao início da noite de 26 de maio pelo júri presidido por Greta Gerwig. Nos próximos dias as seções paralelas Quinzena dos Cineastas e Semana da Crítica anunciarão as suas seleções, onde poderão estar outros filmes portugueses.