Crescimento internacional contrasta com reserva nacional. Elevado investimento retrai aposta forte das editoras.
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Da Inglaterra ao Brasil, de Espanha aos Estados Unidos da América, os audiolivros estão a conquistar milhões de pessoas. Um fenómeno que, apesar de indissociável do mundo digital, tem também um forte simbolismo ancestral, ao resgatar a figura do contador de histórias.
Depois do malogro que foram os e-books, cujas perspetivas de crescimento nunca se concretizaram, esta é a melhor notícia do mercado editorial em muitos anos. Até porque, ao contrário do que acontecia com os livros eletrónicos, os públicos são distintos. A faixa etária que consome mais estes produtos, dos 18 aos 35 anos, está longe de ser ativa na compra de livros.
Segundo dados da consultora Deloitte, o segmento dos audiolivros deverá ultrapassar os três biliões de euros no final de 2020, registando um aumentando de 25% em apenas um ano. A mesma consultora estima que este nicho venha a representar a curto prazo 10% a 15% do volume total de negócios do meio editorial.
E em Portugal? O cenário é tão distinto que basta dizer que, segundo o Observatório Português das Atividades Culturais, o último - e único - estudo feito sobre o tema remonta a... 2007.
História de fracassos
É "uma longa sucessão de inêxitos", como afirma Rui Beja - autor do livro "Democracia do livro em Portugal" - a história dos audiolivros em Portugal.
No final da década de 80, a Dom Quixote lançou uma coleção de clássicos em audiocassetes sem grande recetividade. Mas foi na primeira década do século que os esforços se fizeram sentir, com editoras especializadas. Dessas, só a Boca ainda sobrevive, dedicando-se a projetos mais autorais que podem ser adquiridos no seu site e sem presença nos maiores espaços de venda.
Foi nesses anos que as editoras de autores como José Rodrigues dos Santos ou Margarida Rebelo Pinto avançaram. Com resultados tão modestos que ainda hoje, passada década e meia, o meio editorial reage com cautelas a um investimento forte. Na plataforma Wook estão disponíveis poucas dezenas de títulos, ínfima percentagem da oferta que existe na generalidade dos países europeus.
Na Porto Editora, Paulo Rebelo Gonçalves frisa que "estão atentos". Mas sublinha que esse "boom" só ocorreu em países "com excelentes índices de leitura" e "dimensão de mercado". O que não acontece em Portugal. "Nos próximos anos, será muito difícil rentabilizar qualquer investimento nessa área", vaticina.
Ainda mais lacónica é a Leya que, através de José Menezes, fez saber que "o formato tem vindo a ser discutido", mas que a implementação "requer ainda debate e estudo".
Estas posições não surpreendem Paulo Ferreira, CEO da Bookcompany, para quem "a relação entre a baixa procura e os custos de produção" mina qualquer esforço editorial. Como se não bastassem os custos elevados de produção (cinco mil euros, segundo Rui Beja) e o preço final alto do produto, "o audiolivro interessa mais ao leitor que conhece a oferta internacional e não espera pelas versões portuguesas".
Se, por cá, impera a expectativa - embora Paulo Ferreira afirme não acreditar que o meio "alguma vez se venha a afirmar" -, a nível internacional o momento é de grande dinamismo. E as notícias não são animadoras, porque empresas como a Amazon elegeram o "brasileiro" como a variante oficial do português, o que significa que o leitor nacional que subscreva um serviço destes se arrisca a ouvir "Férrnando Pêssoa" (praticamente o único autor português representado) como jamais imaginara.