Eram 15.30 horas em ponto quando uma multidão vestida de verde Brat — numa homenagem evidente à musa pop Charli XCX — se precipitou como um enxame colorido para as portas do recinto do Primavera Sound Porto.
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A correria, meio coreografada, meio caótica, arrancou sorrisos nervosos dos seguranças, que, de braços abertos e vozes em modo de súplica, tentavam acalmar a avalanche: “Parem de correr, por favor!”.
Mas quem disse que se pode travar a ansiedade de quem esperou um ano inteiro por este momento?
Muitos dos presentes vestiam camisolas feitas à mão, estampadas à pressa com mensagens de devoção, glitters que prometem não sair nem à terceira lavagem e costuras tortas de tanto entusiasmo. A estética era DIY com orgulho e parecia gritar: estamos aqui, somos Brats e este é o nosso palco.
Foi Surma quem teve a honra (e o peso) de abrir oficialmente o Primavera Sound Porto 2025. E não desapontou. Em formato trio comJoão Hasselberg e Pedro Melo Alves— um novo fôlego à já calejada sonoridade — surgiu em palco com uns calções pretos curtos, casaco de couro a brilhar sob os primeiros flashes e os seus inseparáveis guitarra e sintetizadores. A sua música, mais do que escutada, sente-se. Há nela um carácter de mantra, uma cadência que se infiltra devagar até deixar o público num estado de semi-transe. A massa humana, inicialmente dispersa, foi-se compondo, como se chamada por algum instinto tribal.
Surma é, sem hesitação, um dos seres mais livres e divertidos que se pode ver em cima de um palco. Salta, dança, sorri, improvisa — e fá-lo com uma leveza que contrasta com a densidade emocional da sua música. Entre temas, há tempo para confissões: “Os meus pais estão aqui”, diz com uma ternura desconcertante. Do meio da plateia, a mãe — Maria Umbelino — levanta os braços e acena. O momento é íntimo, quase doméstico, partilhado com milhares.
Ao seu lado (ou melhor, na construção visual do espetáculo), destaca-se o trabalho de styling de Sara Soares. Incrível, fora da norma, com qualquer coisa de antigo e tudo de certo. Há uma elegância quase anacrónica na figura de Surma — um paradoxo feliz entre o futuro da eletrónica e a nostalgia de um passado que talvez nunca tenha existido.
E se há coisa que Surma sabe, é como puxar pelo público. “Esta é calma, mas se quiserem fazer mosh estão à vontade. Vou ter convosco daqui a nada!”, dispara entre risos e palmas. E depois, mais um momento de desarmamento emocional: “Desculpem estar a ser lame, mas está a ser incrível comigo hoje”.
Como se alguém tivesse de se desculpar por sentir tanto.
A promessa de um fim de semana inesquecível já paira no ar, como o eco de sintetizadores na relva do Parque da Cidade. Björk e St. Vincent, aliás, são mencionadas mais do que uma vez ao longo do concerto. A expectativa para o que aí vem só aumenta.
Mas por agora, ficamos com esta primeira certeza: o Primavera abriu com a melhor energia possível. Verde Brat, corrida desenfreada, uma artista que não poupa nada de si e uma plateia que responde com o coração na boca.
Este é, como diria Surma, “o festival favorito de todo o sempre”.