"São Jorge" marca a estreia de Jonas como fadista. Disco do também coréografo, bailarino e performer será apresentado esta quinta-feira no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
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"Quero expandir as possibilidades do fado com a máxima responsabilidade e respeito. Acredito que se te focares na arte e na tua própria verdade e identidade, inevitavelmente vais acrescentar alguma coisa, pois o fado vive da personalidade do fadista". As palavras são de Jonas, coreógrafo, bailarino, performer, homem que se descobriu fadista através das intensas saudades de Portugal. "São Jorge", o seu disco de estreia, traz inovação sem forçar ruturas. Por causa da personalidade do fadista, mas também pelo seu conhecimento profundo da tradição. Só se muda aquilo que se conhece.
Foi gozado na adolescência por gostar de fado, mas era inevitável que o género o titilasse desde muito jovem - a mãe era cantora e bailarina amadora, o avô vivia na Mouraria, todo o seu contexto exalava fado. Cantou pela primeira vez em público na Casa de Linhares, em Lisboa, onde foi descoberto pelo compositor Jorge Fernando, figura central do meio fadista que viria a produzir "São Jorge", por achar que Jonas irá "marcar o fado neste século". Mas foi em Londres, para onde partira atrás do teatro musical, depois de uma formação no Chapitô, que percebeu a real importância do fado na sua vida. Começou por cantar no restaurante Fado, perto de Hyde Park, mas rapidamente acumulou convites para cantar um pouco por todo o lado, várias vezes por semana, até nos locais mais bizarros: "Cheguei a atuar numa festa de elite numas catacumbas, onde todos se vestiam de preto e com um estilo anos 20. Havia todo o tipo de excêntricos, incluindo uma drag queen a cantar Nina Hagen". A rodagem fê-lo crescer, mas foram as saudades do país que o iluminaram: "Foi longe de Portugal que percebi que tinha sido escolhido pelo fado, por aquela forma de sentir. E tive mesmo de voltar".
Guerreiro mitológico
Depois de participar no projeto "Rosa negra", em 2011, com Rui Filipe Reis e Johnny Galvão, começou a compor e a escrever os seus temas. Quase uma década até chegar a "São Jorge", que reúne uma espécie de crónicas da Lisboa contemporânea. "Investiguei muito a história do fado e percebi que estava a utilizar ferramentas que o género tinha perdido", explica Jonas ao JN. "Voltei a falar do quotidiano e das histórias da cidade e das suas personagens. E dei especial atenção à iconografia religiosa, aos santos populares, aos Reis Magos". E, sobretudo, a São Jorge: "Ele era o nosso santo padroeiro até ser substituído pelo Santo António, que é uma figura estática com um menino ao colo. Que diz isto sobre nós? Trocamos um guerreiro mitológico por um santo conformista. Talvez ajude a explicar porque é que ficamos de fora do processo histórico".
Composto por 12 temas, "São Jorge" conta com um quarteto clássico formado por duas guitarras portuguesas, viola e contrabaixo. Pelas razões explicadas pelo fadista, também as letras recuperam um imaginário antigo, onde igualmente cabiam os estrangeirismos e os palavrões usados cirurgicamente por Jonas. Onde está a inovação? "O que distingue mais o som são as linhas melódicas, onde se encontram influências do jazz e do country." Mas também o percurso multidisciplinar de Jonas, para quem a dança continua a ser a principal atividade, sobretudo na sua dupla com Lander Patrick - ainda recentemente apresentaram o espetáculo "Bate fado" no Festival Dias da Dança, no Porto. Essa experiência está patente em "Jacarandá", tema que resulta de um jogo performativo, e na sua capacidade de unir toda a estética do álbum, dos figurinos aos vídeos, da imagética às atuações ao vivo. "Quero levar isso muito mais longe", promete Jonas.