A sétima edição do Festival Dias da Dança inaugurou, ontem à noite, num repleto Teatro Rivoli, no Porto, com "Encantado" da brasileira Lia Rodrigues.
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A coreógrafa brasileira Lia Rodrigues é um nome incontornável no panorama da dança contemporânea internacional, com uma sólida carreira com mais de 30 anos e um número igual de trabalhos coreográficos, acoplados com um meritório trabalho de ativismo social. Entre outros projetos, são da sua responsabilidade a Lia Rodrigues Companhia de Danças, na favela da Maré e uma escola de dança gratuita. Politicamente também é implicada e não hesitou em denunciar o que considerou ser um "governo ilegítimo" à frente do Brasil.
Sem obviedades, estas ligações não deixam de estar presentes em "Encantado", uma proposta coral para 11 intérpretes, com uma latente relação telúrica. Um mar de patchwork é desenrolado num incómodo silêncio, como quando a Natureza opta pelo mutismo no exato momento anterior a algo horrível acontecer.
Os corpos nus vão procurando abrigo, em tecidos de diferentes padrões, como quem vai entrar num relaxante sono profundo. A partir daqui, o público entra no mundo onírico de Lia Rodrigues. Há encantadores de serpentes, luxúria, figuras exultantes, alegria a rodos, príncipes e escravos, musas, sacerdotisas, humanos que desafiam as leis do antropomorfismo, há braços no ar e pés na terra, há um desfile do possível e do impossível. Animais com diferentes vozes, grunhidos, sons guturais e movimentos viscerais.
Humanos possuídos por forças sobrenaturais que como os "Encantados" - entidades místicas da cultura afro-americana - procuram a ligação entre mundos. Apesar de todo o embrulho ser um Carnaval, uma celebração da vida, com uma dilatada cena final, onde giram sem parar sobre um repetitivo padrão musical como um mantra, no limite do desconfortável, nem tudo é festa. Algum dia teremos de acordar, e como numa alegoria para os sistemas político sociais latinos, no choque com a explosão da realidade, sabemos que quando vemos uma cobra a morder a cauda, o melhor a fazer é fugir.
A cada membro da audiência restará a possibilidade de escolher qual o padrão que deseja deixar impresso num mar de patchwork: poderá ser florido, besta, ou anódino.
"Encantado" tem uma nova récita esta quarta-feira, às 21.30 horas, no Teatro Rivoli. Hoje poderá também ver "Neighbours" de Brigel Gjoka, Rauf 2Rubber Legz Yasit & Rusan Filiztek, no Teatro Municipal de Matosinhos Constantino Nery.