Candidata a um Oscar pelo thriller francês “Anatomia de uma queda”, atriz está ainda no nomeado “Zona de interesse”, sobre a banalidade do horror nazi. Sandra Huller revela ao JN como se preparou para estes dois papéis tão distintos.
Corpo do artigo
Depois de a vermos em filmes como “Requiem” ou “Toni Erdman”, já não se duvidava que estarmos na presença de uma das grandes atrizes do cinema contemporâneo. E neste momento, a alemã Sandra Huller, de 45 anos, está mesmo em foco.
Primeiro, pela nomeação para o Oscar no thriller francês “Anatomia de uma queda”, sobre uma escritora que se vê acusada da morte do marido, filme candidato a cinco Oscars.
Depois, porque também a vemos no (muito) perturbador “Zona de interesse”, também com cinco nomeações para os Oscars 2024, onde dá corpo à mulher do comandante do campo de Auschwitz. Em Berlim, a atriz falou ao JN.
Qual é a sensação de ter dois filmes tão bem recebidos e premiados?
Gosto muito dos dois. Gostei tanto de os fazer. Quando há uma entrega de prémios e estão ambos a concorrer, há uma parte de mim que fica triste, mesmo que o outro ganhe. E também há sempre outros filmes que são incríveis. É a loucura dos prémios. Para mim, haver competição nas artes é muito bizarro.
“Anatomia de uma queda” tem uma intensa ambivalência: abordou a sua personagem a pensar que é culpada ou inocente?
Não sabia. Não coloquei a questão quando li o guião. O filme é mais sobre o que o espectador vai pensar dela. A [realizadora] Justine Triet fez imensas projeções para testar o público e havia pessoas a favor ou contra, dependendo da montagem. Teve de criar esse equilíbrio.
É interessante porque nós próprios, os espectadores, também não sabemos se ela é culpada ou inocente…
Confiei na Justine e no coargumentista Arthur Harari. Eles passaram imenso tempo a ver julgamentos. A Justine tem um interesse enorme pelo sistema judicial francês. Houve coisas que não quis saber de antemão. Quis que a minha surpresa fosse a surpresa da personagem.
Foi uma surpresa o filme ganhar a Palma de Ouro no Festival de Cannes?
Claro que sim! Não soubemos antes. Foi um momento muito feliz para todos.
Como viu o discurso político da Justine Triet?
Ela disse-me que se ganhasse um prémio ia fazer um discurso político. Mas estava à espera que fosse noutra categoria, nunca esperou que fosse a Palma de Ouro. Depois ficou surpreendida com o impacto que o discurso teve. Adoro que ela o tenha feito. Como artistas que têm um palco, devemos aproveitar todas as oportunidades para defender aquilo em que acreditamos.
Na sua personagem nazi em “Zona de interesse” a abordagem deve ter sido diferente...
Sim, aqui não há dúvidas sobre a culpa dela. Mas não quisemos fazer uma biografia da personagem – se o fosse, não teria entrado no filme, não vejo qualquer utilidade num filme sobre aquelas pessoas. O que o [realizador] Jonathan Glazer quis foi fazer um filme sobre o fenómeno da ignorância. E o quanto esse fenómeno está próximo de nós.
Mas interpreta a mulher de um assassino...
Não foi bem isso que senti quando interpretei. Só tive um mês de rodagem – o resto da equipa passou muito mais tempo naquele espaço. O guarda-roupa, o cabelo e a casa reconstruída, os seis anos de pesquisa no memorial de Auschwitz, tudo poderia contribuir para que eu sentisse empatia com a personagem, mas o Jonathan permitiu-me que não tivesse.
É estranho interpretar uma personagem ignorante e maléfica?
Torna-se mais técnico, mas também deixa espaço para que surja algo de diferente. E aqui era importante, porque quando se afastam todos os sentimentos para com uma personagem têm de se colocar os sentimentos noutro lado. Interpretá-la foi uma espécie de vingança em nome de outros.
Qual a atualidade de “Zona de interesse”?
O filme torna-nos conscientes da linha muito ténue entre nós e eles [os nazis]. E das escolhas que temos de fazer. É um filme sobre como é que o Holocausto pôde ter lugar. É um fenómeno que pode ocorrer quando olhamos para o lado. É isso que para mim torna o filme tão moderno.
Na Alemanha não acharam estranho ser um britânico a fazer este filme?
É claro que é um filme sobre a Alemanha, mas estas histórias passaram-se e passam-se em todo o mundo. O fascismo está neste momento espalhado pelo mundo todo. Ele faz essa ligação de uma forma muito clara. Seria muito limitado se os alemães vissem este filme como uma coisa pessoal.
Como é que foi filmar tão perto de Auschwitz?
Estamos todos muito agradecidos que nos tenham deixado fazer o filme na Polónia. É muito difícil para eles manter o memorial. Há quem ache que já chega, que já não vale a pena continuar a recordar. Mas sim, nunca é demais recordar o horror que ali se passou.