Acusações contínuas ao realizador por crimes sexuais contra menores tornam incerto o seu regresso aos filmes.
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Um cineasta consagrado cai em desgraça quando o acusam de crimes de assédio cometidos há décadas. Um a um, os amigos de sempre abandonam-no, afundando-o numa depressão. O argumento, excetuando a ausência de humor, poderia muito bem fazer parte de um qualquer filme de Woody Allen, não fosse dar-se o caso de ser o retrato da vida do próprio realizador nos últimos tempos.
A mais recente acusação veio de Babi Christina Engelhardt, antiga modelo que confessa ter mantido uma relação íntima iniciada em 1976 e que se prolongaria por oito anos. Pormenor importante: Babi tinha 16 anos na altura.
As denúncias de envolvimento com menores não são recentes. Em 1991, Woody Allen assumiu publicamente a relação com a adolescente Soon-Yi Previn, filha adotiva da atriz Mia Farrow, na altura sua companheira. No ano seguinte, uma das filhas de Mia, Dylan Farrow, veio a público clamar ter sido vítima de abusos continuados do padrasto. O caso arrastou-se pelos tribunais sem uma condenação evidente, mas voltou à agenda este ano com novos e sórdidos pormenores.
Cada vez mais só
Ao contrário do que aconteceu nos anos 90, Woody Allen, de 83 anos, não escapou ileso às acusações, ou não estivéssemos em plena era do movimento #Me Too, já definido como a nova caça às bruxas.
Os resultados do ostracismo são visíveis: pela primeira vez desde 1981, o realizador não estreou nenhum filme no ano que agora termina. E nem sequer foi por ausência de obra: a comédia romântica "A rainy day in New York", um novo capítulo da sua história de amor com a "Big Apple" que conta com os desempenhos de Selena Gomez e Jude Law, permanece por estrear. E sem data anunciada para o efeito, pois os produtores temem que aconteça um boicote semelhante ao que foi feito a Kevin Spacey, cujo derradeiro filme foi um fiasco monumental.
Mais preocupante ainda para o cineasta foi o repto lançado por Dylan Farrow para que nenhum ator de renome voltasse a aceitar ser dirigido por Allen, descrito como um "indivíduo altamente tóxico". Ao apelo responderam já Colin Firth, Mira Sorvino, Natalie Portman e Reese Witherspoon, alguns dos muitos atores que anteriormente se acotovelavam para entrar num filme seu, abdicando até dos chorudos cachês habituais, em nome do prestígio que significava ser associado a Allen.
Se somarmos a este boicote, as dificuldades que decerto encontrará para obter financiamento, é muito provável que "Roda mágica", de 2017, tenha sido o ´derradeiro filme que estreou. A menos que um golpe de fortuna, como nos habituou em filmes como "Match point", se atravesse no seu caminho.
CASO
A queda sem fim do outrora intocável Kevin Spacey
Há um ano, Kevin Spacey era um dos intocáveis de Hollywood: popular, influente e oscarizado. Tudo mudou com a acusação de abuso sexual feita por Anthony Rapp, a que se seguiu a denúncia de dezenas de outros casos. Afastado da série "House of cards", Spacey viu nova acusação ser-lhe feita nesta semana, a que reagiu com um polémico vídeo.
OUTROS CASOS
Fatty Arbuckle
No auge da popularidade, em 1921, o ator Fatty Arbuckle viu-se envolvido num escândalo sexual que atingiu uma grande dimensão mediática. O caso arrastou-se durante uma década e, apesar de ter sido inocentado pelo júri, a sua carreira foi destruída.
Errol Flynn
Um dos galãs mais populares do cinema nas décadas de 30 e 40, Errol Flynn foi acusado da violação de duas menores em 1942. Considerado inocente pelo tribunal, viu, todavia, a sua imagem de herói romântico sofrer um revés de que nunca mais se recompôs.
Roman Polanski
Em 1977, o realizador Roman Polanski terá violado Samantha Geimer, na época com 13 anos. Durante o julgamento fugiu para França, escapando às autoridades. Ainda hoje está proibido de entrar nos Estados Unidos da América.
Harvey Weinstein
Acusado de assédio em 2017 por atrizes como Angelina Jolie ou Mira Sorvino, o produtor norte-americano Harvey Weinstein viu-se envolvido num escândalo que deu origem ao movimento #Me Too.