A mais nova tem 20 anos, a mais velha faz 80 este mês: são só sete as mulheres que se chegam à frente do palco no Primavera 2017, que tem um cartaz muito macho. Vale a pena saber os nomes delas todos de cor.
Corpo do artigo
Temos que falar sobre isso: em 48 bandas do programa deste do Nos Primavera Sound, que arranca esta quinta-feira às 17 horas, no Parque da Cidade do Porto, só há sete atos liderados por mulheres - Angel Olsen, Mitski, Weyes Blood, Nikki Lane, Julien Baker, a catalã Núria Graham (Núria é a artista mais nova do cartaz deste ano: 20 anos) e a brasileira do trono andante MPB Elza Soares (Elza é uma preciosidade, faz 80 anos no dia 23 deste mês, vai estar em Roskilde, na Dinamarca). No resto das 41 bandas lideradas por homens não são sequer seis as que têm mulheres nos seus sets.
Não é exatamente uma discussão de quotas, nem é só vãmente uma reclamação estética, é só que as mulheres contas as coisas de forma diferente dos homens, as mulheres confessam mais, dão mais detalhes - ou então é porque precisamos só de ver um bocadinho mais de verdadeira vulnerabilidade porque passamos demasiadas horas seguidas num festival a olhar para um palco. Mas a ideia das quotas para o ano talvez não seja má.
As mulheres têm a hora da Cinderela
Por alguma razão será: as mulheres atuam à hora do jantar e recolhem todas preventivamente antes da meia-noite. A primeira a aprecer é Nikki Lane (sexta, 21h, há de valer pelo menos os três minutos de country fora da lei em que ela sonha fugir no "Gone, gone gone"), a última é Natalie Mering, a Weyes Blood (sábado, 22h30, ela traz harmonias ternas e vem do sistema solar de Santa Mónica de 60 e 70).
Fora deste quadro há duas mulheres autorizadas a atuar à hora do sol: a mais nova, a catalã Núria (sábado, 17h, não tem competição nos outros três palcos, mas àquela hora ainda pouca gente entrou no recinto e quem já lá está, estará provavelmente mais aplicado a espraiar-se ao sol ou entreter um copo de vinho) e a mais velha, Elza (sábado, 18h30, meia hora depois de começar, dona Elza vai perder os adeptos do novo rock ciclópico dos Wand que vão subir a encosta Super Bock e virar para a pradaria do Palco Ponto para ouvir a que soa o vento cascado e a psicadélica atual de L.A.
Por alguma razão também será: nos oito concertos do dia 1, esta quinta-feira, há zero mulheres a atuar. Para quem fechar os olhos, o mais perto que poderá ouvir de uma voz feminina é às 17h55 no palco Nos, a voz fina e femeal de Greg Gonzalez dos Cigarettes After Sex, em que ele promete etérea e lentamente, como se voz estivesse a flutuar, que nada de mal nos vai acontecer, baby, enquanto estivermos com ele.
Saber do amor com a Angel e a Mitski
Para quem vai à procura de amor: Angel Olsen. Bastariam até só os sete minutos de "Shut up and kiss" e do seu desejo triangular "cala-te, beija-me, aperta-me", mas há mais, "Woman", o 3.º disco, acrescentou-lhe vários centímetros e despeito. Para quem vai à procura disso mas com ansiedade e tensão ou quer só ver como é por dentro uma floresta negra num apartamento de Brooklyn: Mitski. Ela tem 25 anos e vamos ouvir "Puberty2", um exame autopsial da felicidade. Na primeira canção ela diz logo que um rapaz lhe apareceu com cookies e canduras, que se despachou dentro dela e que saiu enquanto ela foi à casa de banho. Chama-se "Happy".
A Angel toca na sexta a uma hora quase sem competição (19h50, encosta Nos), mas pode perder uns quantos adeptos de carne crua para os Sleaford Mods (começam a meio do concerto dela, na pradaria do Palco Ponto). A Mitski (21h, tenda Pitchfork) toca exatamente em cima do Sampha (21h, Palco Ponto) e isso vai ser um problema.
A cruel noite de sábado
Além do duelo Mitski-Sampha (ganha ele os favores do público?), o sábado tem outro bloco de sobreposições cruel para as mulheres: quem quiser ver Weyes Blood na tenda Pitchfork (22h30) vai perder o comício situacionista de nu hip hop dos Death Grips no Palco Ponto (22h) e não vai dançar a embalar, com par ou sem par, nos Metronomy na encosta da Nos (22h10). A Weyes Blood vai perder.
A Julien Baker (Pitchfork, 22h30), uma moça nova de 25 anos que vem de Memphis, Tennessee, EUA, e que traz guitarra branda e mandolim de indie folk, não vai ter hipótese, é o cordeiro sacrificial das sete deste ano e vai haver, provavelmente, muita pouca gente para a ver: quando começar, o bardo Bon Iver já estará a cantar há 15 minutos (Nos) e os Swans (Ponto), que estarão aqui, supostamente, a dar o seu último concerto, já começaram há meia hora (apesar de potencialmente poderem estar ainda na primeira canção).
O público é quem manda
Talvez tudo isto, e este cartaz muito macho que apresenta uma relação de 41 bandas masculinas para só sete femininas, se explique por aqui: pela paisagem humana que os artistas enfrentam a partir do palco. É que, segundo a APORFEST, a Associação Portuguesa dos Festivais de Música, a afluência média dos festivais nacionais está assim distribuída: 69% são mulheres, 31% são homens. Aparentemente, é a elas que os festivais mais e melhor querem servir.