Polícia acusado de comprar informações com droga acusa DIC do Porto de atuar como "quinta" fechada
O polícia que, com mais dois agentes da PSP e um subcomissário, está acusado de ceder droga a toxicodependentes em troca de informações sobre traficantes afirmou, esta terça-feira, no Tribunal de São João Novo, que a Divisão de Investigação Criminal (DIC) do Porto funciona como uma "quinta" fechada e impõe limitações ao trabalho de outros polícias.
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No segundo dia em que está a prestar depoimento, Hugo S. - que integrava uma Brigada de Fiscalização Policial, até ser detido por polícias da DIC, em julho de 2023, e posto em prisão preventiva - sugeriu que o conflito entre as várias divisões da PSP no Porto é estrutural e de longa data.
"A guerra é antiga. Já tem 20 anos. Eu ainda nem sequer estava no Porto e já havia elementos da DIC quase a fechar esquadras, a dizer que não podiam sair, porque havia investigações em curso, e que, caso fossem para a rua, iam começar a ser investigados", começou por dizer o arguido, de 46 anos, ao coletivo de juízes.
Hugo S. acusou ainda a Divisão de Investigação Criminal de alegados abusos de poder, com a realização de detenções e buscas sem fundamento. "Outros boatos que surgiam é que eles prendem pessoas por nada. Eles fazem buscas por nada. Eles conseguem tudo", afirmou, sublinhando que se trata de "um núcleo fechado".
O arguido comparou ainda negativamente a DIC do Porto com outras unidades do país, sublinhando que por onde passou nunca encontrou práticas semelhantes. "Eu trabalhei noutras divisões e noutro comando e não tem nada que ver com o que se passa no Porto. Qualquer polícia afirma que a DIC no Porto é uma quinta. Esta é a expressão. Dentro das quintas só mora quem lá está. E não, senhora doutora juíza, não confio em nenhum elemento da DIC", reafirmou.
Durante a sessão, a juíza levantou a hipótese de que o arguido temeria que elementos da Divisão de Investigação Criminal interrogassem os toxicodependentes a quem, supostamente, forneciam estupefacientes em troca de informações, uma vez que estes, estando privados de droga e a ser pressionados, acabariam por contar os alegados esquemas dos polícias arguidos.
Hugo S. recusou, no entanto, essa leitura, afirmando que a sua preocupação era que os toxicodependentes fossem levados a mentir durante os interrogatórios.
Antes destas declarações, e à semelhança do que já tinha acontecido ontem, o polícia foi confrontado com um episódio ocorrido em junho de 2023, em que o Ministério Público refere que, junto ao antigo sanatório de Tuberculosos da Foz do Douro, teria entregado cocaína ao consumidor Rodrigo C., enquanto o arguido Ricardo S., também agente da PSP, vigiava a situação. "Isso é mentira. Nunca lhe cedi [droga]. Ele não fumou à minha frente o cachimbo. Nem tabaco fumava à minha frente, porque eu não gosto."
O arguido admitiu, no entanto, ter uma relação de proximidade antiga com este toxicodependente, a quem permitia que arrumasse carros junto ao Pingo Doce da Praça D. Afonso V, algo que, segundo disse, outros colegas não deixavam. Este toxicómano, por sua vez, dava-lhe informações "de forma constante", e a sua "confiança" era a contrapartida.
A juíza-presidente não ficou convencida com a justificação e perguntou novamente o que o informador, efetivamente, ganhava. "Estamos a falar de um toxicodependente que tem umas palas nos olhos e que só vê droga à frente. Todos nós sabemos como é a vida de um toxicodependente, ainda para mais com cocaína ou heroína. Tinha que haver um motor. Não é possível. Não acredito, digo-lhe já, sinceramente. Se ainda lhe desse feijão, batatas, arroz... Agora, para ganhar a sua confiança? O que ele ganhava com isso?", indagou a magistrada, ao que Hugo S. respondeu: "No caso do Pingo Doce, eu conseguia a não apresentação da denúncia falando com o gerente", exemplificou, tendo a juíza comentado que aquela explicação já "fazia mais sentido".
Grupo apagado
Durante a sessão, a juíza-presidente questionou ainda porque é que, a dada altura, o polícia decidiu apagar as mensagens de um grupo interno que tinha com os outros arguidos na aplicação WhatsApp, ao que o arguido respondeu que a informação ali contida, nomeadamente detalhes de serviços passados, poderia ser usada indevidamente por outras pessoas, nomeadamente por elementos da Divisão de Investigação Criminal. "Foi um ato de desespero", afirmou.
A acusação refere que, após a exclusão das mensagens, os agentes criaram, no entanto, um novo grupo, desta vez na plataforma Signal. A juíza questionou a necessidade de um novo grupo, já que alguns agentes iam alegadamente mudar de posto, mas Hugo S. afirmou que o objetivo era manter "seguras" as conversas de serviço.
Além do uso de toxicómanos como informadores mediante a entrega de estupefaciente, o Ministério Público imputa a três agentes da PSP e, numa das situações, a um subcomissário a falsificação de autos de busca e apreensão para apropriação de dinheiro e droga, a omissão deliberada de abordagens a traficantes e a realização de buscas ilegais ou coercivas para capturar indivíduos conotados com o tráfico.