Atriz fala-nos do seu último filme, "Correu tudo bem", nas salas esta semana.
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Aos 55 anos, Sophie Marceau é ainda recordada como a protagonista de "La Boum - A primeira festa", onde se estreou, tinha apenas 14. Pelo caminho, tornou-se uma das grandes estrelas do cinema francês, já foi a Bond Girl de "007 - O Mundo não chega" e a companheira de Mel Gibson em "Braveheart". Esta semana vamos vê-la em "Correu tudo bem", baseado no romance autobiográfico de Emmanuèle Bernheim, numa mulher que tem de lidar com o pedido do pai de a ajudar a morrer, na sequência de um grave problema de saúde. Um filme que assinala ainda o regresso ao trabalho da atriz, após três anos sem filmar.
Sentiu-se a sua falta nos grandes ecrãs. A que se deveu essa ausência?
Senti que precisava de tempo para mim. Precisava de não pensar no cinema, de não projetar a minha vida apenas em fazer filmes e de fazer a sua promoção. Precisava de ter o meu espírito e a minha agenda livres. Não foi nenhuma crise nem nada de desesperante. Precisava apenas de ter o meu futuro em aberto e ver o que acontecia.
Como é que o François Ozon a convenceu então a regressar?
Pois, não há nada a fazer quando um dia lemos qualquer coisa de que gostamos. Animou qualquer coisa dentro de mim de novo. E foi muito agradável, voltei de uma forma natural. Fiquei muito contente por fazer um filme outra vez.
Mas o tema não era fácil, ter de lidar com a morte. Como é que se preparou para o papel?
Não foi difícil. Bom, não eram precisas cinco horas para me maquilhar, como acontece por vezes na vida de um ator. O livro e o guião eram muito claros. Não havia nada de muito psicológico ou cenas difíceis para fazer. Tinha de estar apenas na disposição certa, na disposição do Ozon, é o filme dele. Há todo um processo, desde o primeiro encontro até ao último dia de filmagem. É isso que faz com que seja fantástico fazer um filme.
Apesar do tema, há um equilíbrio muito interessante entre momentos trágicos e momentos de humor.
Tudo isso já estava no guião. A comédia vem da personagem do André Dussolier. O pai é mesmo uma personagem, cheio de carisma. Livre de espírito, nada politicamente correto. Com ele há toda uma libertação, em relação a coisas de que normalmente não falamos. Como é que vamos morrer. Neste momento das nossas vidas estamos a perceber que somos mortais.
Como é que vê a personagem da filha, que interpreta, face à figura do pai?
Ela não tem escolha. Por isso decide ser a companheira, a pessoa que o ajuda, que resolve todos os problemas dela para estar com ele até ao fim. Esteja ou não de acordo. Vai ser ela a ajudá-lo. São duas personagens muito diferentes, que vão ter de resolver esta situação. A família vai levantar-lhes toda uma série de questões. É uma situação muito rica para um filme, todas estas contradições.
Durante este processo, questionou-se sobre o que faria, se o seu pai ou alguém muito próximo lhe fizesse um pedido destes?
O que eu faria? Gostava de ter uma opinião formada. Eu tive animais e o meu cãozinho ficou mesmo doente e já estava muito velho. O médico veio ter comigo e disse: Sophie, já não há nada que possamos fazer. E eu disse-lhe para fazer o que tinha de fazer. Foi então que percebi que o tinha mantido vivo vários anos mas que tinha sofrido imenso. Fiquei triste comigo mesma por não o ter libertado antes de toda aquela dor.
Pensa que o filme vai ter uma influência sobre a opinião pública?
O espetador é que tem de fazer o seu trabalho. A situação é muito clara. Não é preciso acrescentar grandes análises psicológicas ou grandes emoções. É o cinema do Ozon, de qualquer forma. Ele é assim. Mas o filme chama a atenção para qualquer coisa e leva-nos para esta experiência com nós próprios. Durante os ensaios tentei sublinhar mais o lado psicológico, mesmo edipiano, mas o Ozon nunca foi por aí.
A nova geração ainda considera "La Boum" como um filme de culto?
Receio que sim. É inacreditável. Vejo miúdas de nove anos a verem o filme, o que devem pensar de mim. Mas não me reconhecem, são as mães delas que me reconhecem. Que lhes dizem que quando eram novas eram assim.
Tinha 14 anos quando fez o filme, mudou claramente a sua vida.
Sim. A cem por cento. É por ter sido exposta desde tão nova a este mediatismo que hoje prefiro estar tranquila em minha casa. Sinto que não tive vida, que a vivi através destes filmes todos. Faz parte do meu trabalho, já o faço há tanto tempo, é bom encontrar jornalistas como você e falar sobre cinema. Mas hoje por vezes é demais, há demasiados fotógrafos. Mas se ainda gosto de fazer filmes? Sim, claro que sim.
O Ozon é muitas vezes considerado como um cineasta das mulheres.
Ele adora atrizes. Quer dizer que ele é um pouco feminino, na sua sensibilidade. Gosta de coisas que as mulheres gostam, está muito atento às cores, ao que as outras pessoas pensam. Apesar de por vezes ser também muito duro. É um realizador, tem dirigir toda uma equipa. Sabe muito bem o que quer e é uma pessoa muito curiosa.
Como é o Ozon durante as filmagens?
Está sempre atento, quando se passa qualquer coisa quer logo filmar, para aproveitar o momento. Há sempre uma grande energia à volta dele, nunca para. Nunca quer que os atores estejam muito longe, temos de estar sempre por ali, nunca se sabe quando vai precisar de nós.
E como é que foi trabalhar lado a lado com o André Dussolier?
É um grande prazer ver o André representar. Representar é a vida dele, adora o que faz, criar personagens. Para mim, é como um jovem ator que adora representar. É muito profissional, está sempre concentrado, fechado na sua sala à espera que o chamem. E quando chega, é para trabalhar, de imediato. E obriga-nos a isso, também. Nas cenas mais emocionais, fez-me chorar.
O filme está em competição em Cannes e a Sophie pode ganhar um prémio. É algo que a interessa?
Não, de todo. Para ser honesta, preferia que não tivesse sido selecionado. Não precisava de voltar, de preparar um discurso, de escolher um vestido. É claro que não devia dizer isto. É um negócio, é bom para o filme, dá-lhe uma enorme visibilidade e é claro que quero que o filme tenha sucesso. Mas é verdade que preferia estar em minha casa.
O que é que a representação lhe trouxe, na vida?
Gosto imenso de me disfarçar, de me meter na pele de outras pessoas.
Que memórias tem de fazer parte da equipa de James Bond?
Foi como um sonho. Não penso nisso todos os dias. Mas já que me pergunta, é claro que foi divertido. Foi realmente uma grande experiência. O Michael Apted, o realizador desse filme, morreu há pouco tempo, tive muita sorte de o ter conhecido. Gostei muito dele, era muito bom no que fazia. E os Broccoli eram pessoas muito simpáticas. É claro que era imenso, com quatro equipas a filmar ao mesmo tempo. Mas havia algo de íntimo, quando começávamos a filmar.
Como é que definiria a sua personagem nesse filme?
A Electra King era muito bizarra, uma mistura de esquizofrénica, perversa, narcisista. Havia algo de dramático na personagem dela. O que me agradou mais foi que eles queriam mesmo que fosse eu a fazer aquele papel. Adorei a experiência.
O cinema mudou muito nos últimos anos, ainda recebe guiões interessantes?
Sim, felizmente. Sempre houve e sempre vai haver arte, no geral. É verdade que hoje em dia as coisas se tornaram muito mais industrializadas. Vivemos numa era de progresso tecnológico, que nos assoberbou a todos. A cultura ficou um pouco para trás. Tem sido assim ao longo da História. Mas haverá sempre pensadores, pessoas com pontos de vista diferentes. E haverá sempre artistas.
Como é que compara a situação das jovens atrizes de hoje com o que viveu quando começou?
Tenho uma enorme compaixão por elas, com toda a pressão que sentem. Mas depende também muito de quem nos rodeia e da forma como temos ou não os pés bem assentes na terra. Mas deve ser violento, não gostava nada de ser uma estrela juvenil hoje em dia. Eu aprendi a fazer tudo por mim, a ser autónoma. Hoje não acredito que se possa ser autónomo, com tanta gente à nossa volta e tanto dinheiro em jogo.