Thomas Arslan fala-nos de “Terra Queimada”, notável policial já nas salas de cinema.
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Em 2010, o realizador alemão Thomas Arslan estreava “Nas Sombras”, apresentando-nos a personagem de Trojan, um ladrão acabado de sair da prisão que se lançava num novo golpe, o assalto a uma carrinha de transporte de dinheiro. Já este ano, o Festival de Berlim assistia a “Terra Queimada”, regresso ao “ativo” de Trojan, agora a contas com o roubo de um valioso quadro. A sombra do cinema de Jean-Pierre Melville e por arrasto do filme negro americano é evidente, mas com um estilo muito próprio e em cumplicidade com o ator Misel Maticevic. Quando “Nas Sombras” está disponível na plataforma Filmin e “Terra Queimada” chega às salas, numa das grandes estreias do ano, estivemos a conversar com o realizador.
Quando fez “Nas Sombras” já tinha a ideia de voltar a pegar na personagem de Trojan?
Nessa altura não. A ideia surgiu depois. Há um lapso de catorze anos entre os dois filmes, mas ao regressar a Berlim verifiquei que nesse período a cidade mudara de forma dramática, em muitos aspetos. Nesse sentido, o meu desejo de voltar a filmar em Berlim foi-se desenvolvendo. Também queria voltar a trabalhar a personagem. Fiz com que ele também regressasse a Berlim ao fim de alguns anos. Foi esse o ponto de partida.
E parece que está já a preparar um terceiro filme…
Sim, e desta vez não vou esperar catorze anos. Já estou a trabalhar no projeto, embora não vá ser o meu próximo filme. Quero levar a personagem numa outra direção, mas ainda estou no início.
E depois desse terceiro filme vai conseguir libertar-se facilmente da personagem?
Vai ser difícil separar-me dela, é verdade, mas a certo ponto temos de procurar outros terrenos. Três filmes com a mesma personagem vão ser suficientes.
A escolha do nome de Trojan tem algum segundo significado?
A ideia principal é que não é muito claro de onde é que aquele nome é originário. Pode ser da Europa central ou de leste. Pode ser nome próprio ou apelido. Não é claro e está aberto a qualquer tipo de interpretação. Gosto muito desse aspeto, tem a ver com o facto da personagem trabalhar na sombra. E também não há muita informação sobre quem ele é. Podia ser perigoso na sua área de trabalho. Pode especular-se o que se quiser.
Apesar de haver várias mulheres nos dois filmes, nunca o vemos numa verdadeira relação amorosa.
Seria um tipo de vida que não se adequaria à sua existência. Na perspetiva dele seria perigoso deixar-se levar pelas emoções. Em “Terra Queimada” há essa possibilidade com Diana, a mulher que conduz a viatura. De certa forma estão ao mesmo nível, em termos de ocupação. Mas ele decide não encetar uma relação amorosa.
Ela tem esse desejo, convida-o para dormir em casa dela, mas é ele que recusa.
É verdade, mas ele sente que é mais seguro partir e não aceitar o convite.
Como é que encontrou o Misel Maticevic, que é perfeito na personagem?
O Misel tem uma longa carreira. Vi vários dos seus filmes, penso que a primeira vez que o vi foi no “Hotte im Paradies”, do Dominik Graf, uma história que se passa na Berlim dos anos de 1970. Impressionou-me muito nesse filme e sempre admirei o seu estilo de representação, quase indiferente. Foi a minha primeira escolha para “Nas Sombras”.
Foi fácil convencê-lo a regressar para o segundo filme?
Era indispensável que fosse ele o protagonista em “Terra Queimada”. Se ele não aceitasse não teria continuado a trabalhar no filme. Felizmente que ele aceitou a ideia de imediato, o que me permitiu continuar a escrever a minha história.
Há dias o Alain Delon deixou-nos. Não consigo ver a personagem de Trojan nestes dois filmes sem pensar no “La Samourai”, do Melville. Foi uma inspiração?
Entre outros, sim, o Melville foi uma inspiração. Mas até mais “O Círculo Vermelho”, por ser um filme de golpe. Eu e o meu diretor de fotografia vimos outra vez os filmes de Melville. Continuo a gostar muito deles.
Nos seus filmes com o Trojan não há bons. Só há vilões, uns piores do que os outros. Mas ainda há uma moral, nestes filmes?
De certa forma, sim. Neste tipo de ambiente, o Trojan, e a Diana também, são dos últimos a ainda ter um código moral. Mesmo sendo gangsters e criminosos, ainda têm um código moral. É por isso que nos são mais simpáticos que os outros.
No geral, os espectadores de cinema gostam mais de vilões do que de personagens boazinhas. Como é que o explica?
Uma das razões para ir ao cinema, não a única, claro, é para ver aspetos da vida com a qual não estamos habituados a lidar. O espectador de cinema tem um fascínio pelos vilões porque na vida real seria muito perigoso imitar o que eles fazem nos filmes.
A gramática dos seus filmes é composta muito por carros, cenas de noite, hotéis, portas e janelas, tantos momentos de silêncio…
Desde cedo que quis que a maior parte da história se desenrolasse de noite. É uma reminiscência do filme negro americano. E queria captar a atmosfera desta nova Berlim que ia descobrindo. Como não queria uma espécie de documentário sociológico, criámos essa atmosfera fílmica.
De qualquer forma, a Berlim mais turística também não o interessou. O espectador não tem logo essa informação de que estamos em Berlim.
Não quis de forma nenhuma utilizar esses locais mais emblemáticos de Berlim. Vim pela primeira vez para Berlim em 1986, já fiz vários filmes em Berlim e é sempre um desafio encontrar locais novos e mostrar a cidade de formas diferentes.
O montador de “Terra Queimada” é um português, Reinaldo Pinto Almeida.
Ele é português, mas vive há algum tempo na Alemanha. Estudou montagem numa escola de cinema em Potsdam. Conheci-o há já vários anos, foi um amigo comum que nos apresentou Já tinha montado o meu filme anterior. Trabalhamos muito bem, há uma comunicação muito boa entre os dois. É um montador muito bem. Não sei o que ele pensa, mas gostava de continuar a trabalhar com ele.