Quando em janeiro "Leaving Neverland" teve a sua antestreia mundial no Festival de Sundance, nos EUA, antes da projeção os espectadores ouviram um aviso invulgar: "No final da sessão haverá profissionais de saúde mental disponíveis na sala caso alguém precise de ajuda". O aviso justificava-se: a plateia saiu traumatizada com o choque e o horror daquilo que acabara de ver.
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O que viu é uma figurada monstruosidade: um documentário de quatro horas com depoimentos e provas de que o cantor Michael Jackson, falecido em 2009 aos 50 anos, terá sido um provado e ardiloso pedófilo que abusou sexualmente de dezenas de crianças tão novas quanto cinco anos. E fê-lo de forma sistémica, continuadamente, cavilosamente, lançando uma teia de sedução e ludíbrio que empulhou mesmo as mães e os pais daquelas crianças.
"Leaving Neverland", realizado por Dan Reed, cineasta inglês autor de vários documentários sobre terrorismo, permanece inédito e blindado em todo o Mundo, não havendo, sequer, uma só cópia nos circuitos digitais de pirataria. O filme estreia hoje no canal HBO americano, dividido em duas partes (a 2.ª passará amanhã); na sexta-feira, os estarão legendados e disponíveis na HBO Portugal.
O título do documentário remete para a "fuga de Neverland", a ilha da imaginária Terra do Nunca de Peter Pan, e que dá nome à mansão que Michael Jackson construiu para viver num vale da Califórnia - e onde terão sido cometidos grande parte dos abjetos abusos.
Menos a epopeia da queda de um ícone, o filme é mais a história de dois homens que foram repetidamente violados enquanto crianças e agora se expuseram para contar a sua hórrida verdade. Eles são James Safechuck e Wade Robson, ambos adultos e pais de filhos, mas que na altura dos alegados factos, que terão começado no final da década de 80 e seguiram pela de 90 adentro, tinham menos de 10 anos.
O filme está fortemente apoiado nos seus excruciantes depoimentos e das suas mães, que agora admitem, horrorizadas em remorso, ter vivido o feitiço da celebridade.
O documentário estará cheio de revelações repelentes, como masturbações à frente das crianças, a quem ele pedia que se pusessem na posição de quatro, embebedamentos com "o licor de Jesus" seguidas de jogos na cama, até às investidas e frias penetrações que seriam acompanhadas de discursos sobre Deus e o amor.
"Leaving Neverland" não é, evidentemente, aprovado pelos herdeiros de Michael Jackson, que deixou três filhos (Prince, de 22 anos, Paris, 21, e Blanket, 17), nem pelos cuidadores do seu património, que pretendem processar os autores do documentário no valor de 100 milhões de dólares.