Nova série de Tim Burton já é a terceira mais vista de sempre na Netflix. Temática gótica, bruxas e feitiçaria têm público cada vez mais alargado.
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"Que é relativo a ou evoca ambientes ou assuntos mórbidos, lúgubres, sombrios ou tristes" - é desta forma que o dicionário da Língua Portuguesa descreve, na segunda entrada, o termo "gótico". Quem viu a recente série da Netflix "Wednesday" há de perceber que a explicação encaixa que nem uma luva à personagem homónima da nova ficção de Tim Burton.
E apesar de todas as críticas a que a série tem estado exposta, é certo que os números da Netflix dão que pensar. Três semanas depois de ser lançada, "Wednesday" atingiu mil milhões de visualizações, algo que, em tão curto espaço de tempo, só sucedera neste canal de streaming em mais duas séries: "Stranger things" e "Squid game". Podemos, assim, considerar que o gótico está na moda?
Mais do que o estilo gótico, com os seus temas sombrios, o sobrenatural e a morte, estar a ganhar cada vez mais público, "Wednesday" tem sido vista pelo prisma da ressurreição: conseguiu reavivar uma família - a Addams, justamente - que, para as novas gerações, poderia passar despercebida.
Foi nos anos 1930 que a família Addams foi criada, pela mão do cartoonista norte-americano Charles Addams. Tendo começado como banda desenhada publicada na "New Yorker", foi ganhando fama com os anos e "subiu" a série de TV nos anos 1960. Mas a grande conquista deu-se em 1991, com o filme "A família Addams", de Barry Sonnenfeld. "O estranho é relativo", lia-se no cartaz. E, hoje, passados mais de 30 anos, parece que a série dedicada à filha do obscuro casal está a ter o real poder de nos fazer gostar do que é, à primeira vista, "estranho".
captar novas gerações
"Wednesday" aponta agora ao público infantojuvenil e aposta tudo na protagonista interpretada pela atriz Jenna Ortega, transformada em estrela planetária, com Luis Guzmán e Catherine Zeta-Jones no papel dos seus bizarros progenitores.
O universo do realizador Tim Burton é prova da fama crescente do mundo gótico, com o sucesso de clássicos como "O estranho mundo de Jack" (1993) ou "Eduardo mãos de tesoura" (1990). Mas, olhando apenas para as criações recentes, a própria Netflix teve até 2020 a série "As arrepiantes aventuras de Sabrina" e, um par de anos antes, era lançada a série "Salem". Ambas exploram universos sobrenaturais e sombrios, mas, acima de tudo, a morte - um tema cada vez mais forte em séries e filmes de hoje.
Da literatura à música
Mas não foi com a família Addams da BD que o estilo gótico influenciou a literatura. Na verdade, os livros são a área da cultura que mais cedo nos deu histórias assombradas - a génese da literatura gótica está no séc. XVIII: "O castelo de Otranto", de Horace Walpole.
A dar mais nas vistas está, certamente, a música gótica, que ganhou força essencial nos anos 1980 no Reino Unido, com bandas como Bauhaus ou The Cure. Ainda que ao longo dos anos tenha conquistado seguidores no mundo ocidental, a música gótica, muito associada a penteados exóticos, roupa preta e desafio das normas, tem sido associada a um grupo quase que marginal. Em Portugal, o festival Extramuralhas, em Leiria, vai na 13.ª edição, apresentando nomes cimeiros do "alt goth".
O número crescente de espectadores e a sedução de público generalista são parte da confirmação de que o que era um nicho é agora norma. Os próprios Moonspell, banda portuguesa dos anos 1990 e que faz parte do imaginário de qualquer adolescente na viragem do século, são disso prova viva.
Críticos apontam a falta de real horror gótico
"Wednesday" tem sido alvo de apreciação crítica afiada, tanto por cinéfilos como pelo público da Netflix. A ausência do verdadeiro horror gótico característico do realizador Tim Burton é uma das falhas apontadas, afirmando-se que a série se aproxima em demasia do universo dócil de Harry Potter.
Também têm sido dissecadas pelos fãs, em vídeos nas redes sociais, falhas de continuidade e de lógica narrativa. Mesmo assim, a série tem pontuação alta no ranking do IMDB: 8,2 em 10 pontos possíveis.