Yorgos Mavropsaridis é o montador habitual dos filmes de Yorgos Lanthimos.
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O que têm em comum Yorgos Mavropsaridis e Yorgos Lanthimos, além do primeiro nome? Mavropsaridis é o montador de todos os filmes de Lanthimos, um dos grandes autores do cinema contemporâneo. Ainda não se esgotaram os ecos de “Pobres Criaturas” e já está nos cinemas o último filme do grego, “Histórias de Bondade”. Yorgos Mavropsaridis é um montador veterano, nomeado para dois Óscars de Hollywood e que já passou pelo FEST, em Espinho. Fomos encontra-lo na segunda edição do Mediterrane Film Festival, em Malta, onde deu uma masterclass. A seguir, falou em exclusivo ao JN.
Como é que se deu o seu primeiro encontro com o Yorgos Lanthimos?
Nós temos vinte anos de diferença. Eu já era um montador de sucesso quando o conheci. Tinha feito alguns filmes, mas também trabalhava para publicidade. Era assim que ganhávamos a vida, porque os filmes eram feitos com um orçamento muito baixo. Fiz o primeiro filme publicitário dele e começámos a desenvolver uma boa relação. Mesmo estando a trabalhar em publicidade, falávamos muito sobre cinema. Percebi que era um grande cinéfilo e sabia muito sobre cinema. E gostávamos dos mesmos filmes.
Sentiu logo que estava ali um autor?
Ele já tinha o controlo total sobre a rodagem. Fazia filmes publicitários mas levava-os muito a sério, não era só para ganhar dinheiro. Gostava de experimentar coisas novas. Demorava o seu tempo a preparar o estúdio, a escolher as câmaras.
E no processo de montagem?
Também queria uma forma nova de montar os filmes publicitários. Não queria usar a forma clássica de montar em continuidade. Queria uma forma diferente de apresentar o produto. E é claro que isso criava uma grande tensão entre ele e os clientes, que queriam grandes planos e coisas assim. Mas conseguiu impor o seu estilo, e toda a gente passou a querer trabalhar com ele.
Depois fizeram juntos o primeiro filme dele e nunca mais se separaram.
Sim, o “Kinetta”. Com muito pouco dinheiro, vinte mil euros. O guião só tinha 16 páginas, mas a primeira montagem durava quatro horas. Tinha havido muita improvisação, filmado com a câmara à mão. Mas foi com o “Canino” que se percebeu que ele queria fazer um cinema com uma linguagem diferente. Eu também não estava satisfeito com os filmes que fazia. Senti que tinha de estar mais perto de Lanthimos, que estava a fazer coisas diferentes, e oferecer-lhe, se possível, a minha criatividade.
Precisamente, o Lanthimos é apontado como um autor, que sabe exatamente o que quer. Onde é que cabe o papel criativo de um montador?
É claro que ele sabe exatamente o que quer. Tem uma mentalidade de génio no que diz respeito à linguagem audiovisual. Mas sendo um grande artista, também aceita as sugestões da equipa com que trabalha. Temos de seguir certas regras, mas dentro desse campo temos a possibilidade de lhe propor coisas, há essa liberdade. Mas é muito exigente connosco, para ultrapassarmos os nossos próprios limites e formas de pensar. Força-nos a sermos melhores.
O “Histórias de Bondade” tem uma estrutura em três partes. Até que ponto foi diferente o processo de montagem?
A primeira ideia foi de que eram três histórias diferentes, com um separador entre elas. Mas depois de várias discussões com os produtores, sentimos que devia haver uma forma de ligar as histórias. Não tanto pelo guião, mas pela estética, pela utilização da música, pelo estilo da montagem, dando indicação ao espetador que uma personagem da primeira história podia, num universo diferente, ser a mesma numa outra história. Cabe ao espetador fazer essas conexões.
François Truffaut dizia que a rodagem era a crítica do guião e que a montagem era a crítica da rodagem. Concorda?
Eu sempre disse que a montagem começa logo na escrita do guião. Quando o argumentista escreve o guião está já a propor uma montagem das cenas. Depois, na rodagem, o realizador corta algumas partes, o diretor de fotografia ilumina uma cena de uma certa forma. São códigos que são depois dados ao montador. E depois há ainda os efeitos especiais, a música. Tudo isto tem de ser orquestrado e é a derradeira parte do nosso trabalho de montagem. Para que faça sentido ao espetador.
Quantas vezes já salvou um filme na mesa de montagem?
Já aconteceu, sim. Mas tento sempre ser justo para com o realizador. Falo muito com eles. Não se trata tanto de salvar um filme, mas de eliminar matéria que esteja a mais. O pior é quando um realizador projeta num filme os seus próprios desejos, mas o espetador não é capaz de os ver.
Foi difícil para si fazer a transição do filme para o digital, que mudou completamente o trabalho de montagem?
Não foi difícil. Trabalhei sempre na sala de montagem, com uma moviola, e pequenos pedaços de filme. Tinha um assistente que colocava tudo em pequenas caixas, depois tínhamos de os encontrar. Perdia-se muito tempo, é verdade. As novas tecnologias salvaram-nos disso. Mas digo sempre aos jovens para tentarem pelo menos uma vez montarem numa moviola, porque nos dá um melhor sentido da narração.
Sente que o Lanthimos é uma inspiração para a nova geração de realizadores gregos?
Devo dizer, entre aspas, que infelizmente tem essa influência. Eu sempre acreditei que os jovens realizadores têm de encontrar a sua própria voz, a sua própria personalidade. Mas, como há alguns anos, muitos filmes gregos se pareciam com os de Theo Angelopoulos, hoje em dia todos querem ser como Lanthimos.