"Brain rot". O maior problema que vai ter de resolver com os seus filhos nestas férias
Já ouviu as crianças falarem "Bombardiro crocodilo", "Ballerina Cappuccina" ou "Tralalero Tralala"? Falamos de vídeos das redes sociais e YouTube que juntam imagens inesperadas a uma velocidade estonteante e com mensagens perigosas. Psicóloga explica o que é este "brain rot" e porque deve usar as férias para o evitar
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Com um sucesso e taxa de viralidade extraordinários, expressões saídas de vídeos curtos e repetitivos como "Bombardiro crocodilo", "Ballerina Cappuccina" ou "Tralalero Tralala" entraram, em poucos meses, no léxico dos mais pequenos. Parecendo quase uma linguagem à parte, estes memes curtos com associações de imagens non sense e mensagens perigosas - um bombardeiro com cara de crocodilo a lançar bombas, uma bailarina com uma cara doce impressa numa chávena de café e a ser, tantas vezes, vítima de violência por parte do namorado, um tubarão com pernas e ténis - são considerados uma das muitas tipologias de brain rot (apodrecimento cerebral, em tradução literal) que estão acessíveis aos mais pequenos através das redes sociais e do YouTube.
"São conteúdos fáceis de consumir, estão sempre à distância de um clique, e entram nas nossas casas através de tablets, telemóveis ou televisão. Tudo isto contribui para que o brain rot esteja não só acessível, mas praticamente ao alcance de qualquer criança com um ecrã por perto", afirma psicóloga clínica. Isabel Henriques fala num "fenómeno preocupante" que provoca "a deterioração da capacidade de atenção, concentração e até da qualidade das interações sociais, provocada pelo consumo excessivo de conteúdos digitais, especialmente os mais curtos, repetitivos e pouco estimulantes a nível cognitivo".
A especialista revela o que pode os pais podem fazer nestas férias com os seus filhos para interromper estes ciclos de consumo online e deixa sinais de alerta por idades em caso de sobreposição a conteúdos brain rot.
O que fascina tanto as crianças para este conteúdo?
As crianças são, por natureza, curiosas e atraídas por tudo o que é colorido, barulhento, rápido e divertido. Vídeos curtos, com imagens fortes, músicas repetitivas ou desafios engraçados, captam a atenção em segundos e é isso que muitas aplicações oferecem, constantemente.
Do ponto de vista neurológico, os conteúdos digitais altamente estimulantes ativam o sistema de recompensa do cérebro, especialmente o núcleo accumbens, o córtex pré-frontal e a área tegmental ventral, que liberta dopamina o neurotransmissor ligado ao prazer e à motivação. Cada vídeo visto ou jogo jogado provoca a libertação de dopamina, criando uma sensação de satisfação imediata. Como o cérebro infantil ainda está em desenvolvimento, sobretudo nas áreas responsáveis pelo autocontrolo e pela tomada de decisões, torna-se difícil resistir a este estímulo constante, o que pode levar a um ciclo de procura contínua por gratificação rápida e reduzir a capacidade de manter a atenção em tarefas menos estimulantes.
Além disso, estamos a falar de uma geração que está a crescer com ecrãs à sua volta por isso, muitos comportamentos que hoje nos parecem "exagerados" ou "viciantes" são, na verdade, o reflexo de um tipo de consumo digital para o qual ainda não preparámos bem as crianças... nem os adultos.
Quais os perigos dobrain rot?
Os riscos do brain rot existem e variam consoante a idade, mas todos têm impacto na forma como a criança se desenvolve a nível emocional, social e cognitivo. Dos 0 aos 3 anos, é através do toque, da linguagem e da relação com os adultos que o cérebro se desenvolve. Quando há demasiada exposição a ecrãs, mesmo que pareçam "inofensivos", isso pode interferir com o desenvolvimento da linguagem, da atenção e das primeiras relações. Muitas vezes, os bebés ficam passivos, com menor interesse por explorar o mundo à sua volta. Dos três aos seis anos, as crianças começam a imitar o que veem. Se estão expostas a comportamentos exagerados, agressivos ou confusos, podem reproduzi-los no dia a dia, mesmo sem perceber. Além disso, começam a ter mais dificuldade em distinguir o que é real do que é ficção. Também se nota, nesta idade, uma maior irritabilidade e impaciência quando não estão com um ecrã por perto. Dos seis aos dez anos, os efeitos tornam-se mais visíveis. Muitas crianças começam a mostrar sinais de ansiedade, baixa autoestima ou tristeza, especialmente quando se comparam com os padrões irreais que veem online. Podem também perder interesse por atividades offline, como brincar ao ar livre, desenhar ou conviver com outras crianças. E tudo isto afeta o sono, o rendimento escolar e o bem-estar em geral.
Quais os sinais a que os pais devem estar atentos?
Cada idade tem os seus sinais de alerta. Dos zero aos três anos, demonstram pouco interesse pelas pessoas e pelos brinquedos, dificuldade em manter a atenção, atrasos na fala ou na comunicação não verbal. Até aos seis, existem birras frequentes, impaciência, irritabilidade, dificuldade em brincar sozinha, ou grande resistência quando se tenta desligar o ecrã. Dos seis aos dez, nota-se que a criança passa demasiado tempo sozinha com o telemóvel ou tablet, mostra-se mais ansiosa, triste ou frustrada, e evita participar em atividades fora do mundo digital.
O que podem fazer os pais, especialmente agora nas férias?
As férias são uma oportunidade excelente para quebrar rotinas e criar novos hábitos mais saudáveis, mais equilibrados e com menos ecrãs à mistura. Algumas estratégias simples podem fazer toda a diferença como definir um tempo diário para o uso de tecnologia, adaptado à idade da criança, e explicar claramente porquê. As regras funcionam melhor quando são conversadas, e não impostas de forma brusca. Criar momentos livres de ecrã como, por exemplo, a refeições, fins de tarde. Os primeiros 30 minutos depois de acordar podem ser momentos de "pausa digital". Estar presente: quando possível, ver os vídeos ou jogar com as crianças. Isso permite perceber melhor o que consomem, orientar escolhas e, sobretudo, conversar sobre o que veem. Oferecer alternativas como sair de casa, brincar no jardim, fazer um piquenique, cozinhar em família, ler histórias, desenhar ou simplesmente... não fazer nada. O "tédio" também é importante para estimular a criatividade. Por fim, dar o exemplo porque as crianças imitam o que veem (modelação). Se os adultos também souberem fazer pausas dos ecrãs, o impacto é muito mais forte e positivo.