Pneumologista e especialista em Medicina do Sono vinca que os ”adolescentes são um grupo de risco para dificuldades com o sono” e enumera estratégias para que os jovens lidem o melhor possível com o descanso no início, durante e no fim das férias
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Férias rimam com liberdade, horários mais flexíveis e mais tempo para atividades lúdicas e, claro, dormir. Após um ano letivo exigente e em período de descanso, devem os jovens “passar a manhã na cama”, como tantas vezes se escuta dos pais? A pneumologista e especialista em Medicina do Sono Vânia Caldeira traz a debate as mudanças que a puberdade acarreta, sublinhando o impacto das mesmas no sono, e às quais se somam as pressões sociais.
Para esta especialista e coordenadora da Comissão de Trabalho de Patologia Respiratória do Sono da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, é “natural” que, nas férias escolares, “os adolescentes sintam a força do seu relógio biológico e atrasem os horários – deitam-se e levantam-se mais tarde”. “Se, por um lado, isto não é mais do que deixar de contrariar o seu relógio interno com as pressões sociais, por outro lado, pode levar a um extremo que dificulte o posterior necessário regresso aos padrões escolares", detalha e recomenda: "É vantajoso que haja alguma flexibilidade de horários nas férias, mas com alguns cuidados.”
O período de descanso deve ser encarado por jovens e pais como “oportunidade para criar bons hábitos de sono que depois facilitem o regresso à escola”. Entre as indicações, a especialista destaca a importância de “dormir oito a dez horas de sono de acordo com as necessidades desta fase da vida”, evidenciando que, nos primeiros dias de férias, os adolescentes “podem mesmo sentir a necessidade de dormir mais do que o recomendado devido à dívida de sono que trazem do período escolar”. A médica sugere os “horários tendencialmente regulares sejam mantidos, mesmo que mais flexíveis e mais tardios”, e que “as sestas durante o dia sejam evitadas” porque arriscam “eliminar a pressão de sono ao final do dia e dificultar o adormecer”.
E se a regra é permitir alguma flexibilização, o caso deve mudar de figura à medida que se aproxima a fase de regresso às aulas e à rotina. Um momento que deve ser preparado com algum tempo. Vânia Caldeira afirma que, nesta fase final das férias, se deve “assegurar boa exposição matinal à luz e prática de exercício físico durante a manhã, cumprir hora de deitar progressivamente mais cedo a cada dia - com ajustes de 15 minutos, por exemplo -, evitar bebidas energéticas, café e álcool a partir do final da tarde, manter ambiente calmo após o jantar, criar rotinas de relaxamento - conversar, ler um livro, ouvir música - e evitar a exposição à luz e aos dispositivos eletrónicos para facilitar o adormecer”.
Obesidade e ansiedade agudizam riscos
A especialista deixa dois alertas. “Com o crescente problema da obesidade também a afetar adolescentes, é importante relembrar que existem outras causas para o cansaço e a sonolência durante o dia, a falta de concentração e os maus resultados escolares, como a apneia do sono. Por outro lado, os problemas de ansiedade e depressão também se podem manifestar com queixas de insónia”, refere, pelo que “procurar ajuda médica é essencial”.
Mas o que muda, afinal, no sono dos adolescentes e por que são considerados “um grupo de risco”? Tal acontece por, “primeiramente, motivos fisiológicos: na puberdade há um normal atraso de fase, o que leva a que o adolescente tenha sono mais tardiamente e, por isso, problemas em adormecer, ao mesmo tempo que pela manhã pode ter mais dificuldade em acordar”, esclarece a pneumologista. Num segundo plano, Vânia Caldeira fala da “componente comportamental crescente nas sociedades modernas e que tem agravado este problema: os dispositivos eletrónicos”, em que “os adolescentes têm, cada vez mais, exposição tardia à luz, jogam e ficam nas redes sociais até tarde, o que agrava este atraso de fase, com a exposição à luz a atrasar a produção da melatonina, a hormona indutora do sono”.
Ora, como refere a especialista em Medicina do Sono, “perante a dificuldade em adormecer e a necessidade de acordar cedo, agrava-se a epidemia do sono insuficiente nos adolescentes com impacto no seu desempenho cognitivo, mas também na saúde física, no estado emocional e na relação com os outros”, avolumando a chamada “dívida de sono ao longo do período escolar”.