Sempre muito debatida e sem consenso científico estabelecido, os impactos da mudança da hora no quotidiano, na economia e no corpo estão sempre sob escrutínio. Para lá das alterações do sono, quais são afinal os riscos acrescidos no coração e que se podem estender até dias depois do reacerto dos ponteiros do relógio? Especialista responde.
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A ciência não é conclusiva na medição precisa dos efeitos da mudança da hora na saúde, mas, como afirma o cardiologista e professor Daniel Caldeira, é "cada vez mais evidente que a mudança do relógio constitui uma oportunidade para compreender melhor a interação entre sono, ritmos biológicos e saúde cardiovascular".
E se há estudos que demonstram não haver correlação, outros há que indicam o contrário. Um estudo recente da Universidade de Stanford e publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences concluiu que manter o horário iria reduzir a prevalência de obesidade e enfartes. A análise comparou os três cenários possíveis - hora padrão permanente, horário de verão permanente e o atual sistema alteração - com recurso a modelação da exposição solar em 48 estados norte-americanos e cruzou os resultados com dados de saúde a nível federal, averiguando a pressão sobre o ritmo do corpo e, com isso, o risco de doenças.
Daniel Caldeira afirma que "algumas investigações sugerem que, nos dias imediatamente após a mudança de hora, em particular para o "horário de verão" - altura em que dorme menos uma hora - pode haver um aumento do número de enfartes do miocárdio (ataques cardíacos)". O professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e assistente graduado de Cardiologia no Santa Maria, revela que "uma das explicações é a perturbação do ritmo biológico devido a privação de sono". "Quando perdemos uma hora de sono, podem ser provocadas alterações hormonais, aumento da pressão arterial, e mais inflamação. Estes fatores, de uma forma geral, podem favorecer eventos cardiovasculares em pessoas vulneráveis", justifica.
No entanto, lembra também que "existem outros estudos não que não mostram um aumento consistente de enfartes associados à mudança da hora". "Estes trabalhos sublinham que, apesar de existir algum stress biológico transitório, o impacto real para a maioria das pessoas pode ser mínimo. Além disso, é possível que outros fatores, como hábitos de vida, clima, infecções, e poluição, tenham um peso maior no risco cardiovascular do que uma simples mudança no relógio duas vezes por ano", contextualiza.
Ainda longe do consenso científico, certo é que existem formas de tentar atenuar o impacto. "Manter hábitos saudáveis de sono, praticar atividade física regular e controlar fatores de risco como pressão arterial, colesterol, glicémia, abstinência tabágica continuam a ser fundamentais para proteger o coração ao longo de todo ano", sublinha.

Daniel Caldeira, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e assistente Graduado de Cardiologia, em Santa Maria

