Dos partos na estrada à amamentação. Psicóloga enumera quais riscos clínicos para as mães
Memórias traumáticas do parto, stress pós-traumático e sentimentos de culpa arriscam criar "impacto psicológico emocional imediatos e intensos" nas mães e empurrar ainda mais para a dúvida as mulheres que estão a pensar nisso, alerta psicóloga especialista em parentalidade
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Só este ano já terá nascido mais de um bebé por semana em ambulâncias, a que se juntam casos de relatos de partos que ocorreram na estrada, numa esquadra de polícia e em casa. Uma situação que tem vindo a avolumar -se devido aos encerramentos de urgências hospitalares de obstetrícia e que, em alguns casos, tem culminado em perdas de vida.
Esta realidade tem vindo a ser vivida com intensidade desde o início do ano, mas agora coincide com novas propostas de alteração à legislação laboral, proposta pelo governo, e que afetam mães, pais e famílias em geral. Da perda de dia para os pais no direito ao luto gestacional, está em cima da mesa a limitação da amamentação até dois anos - com provas a cada seis meses - bem como a "limitação a possibilidade de trabalhadoras e trabalhadores com filhos até 12 anos de poderem recusar trabalho ao fim de semana e feriados.
Em que medida esta conjugação de fatores pode estar a impactar as mulheres: grávidas ou futuras mães? A psicóloga Isabel Henriques, especialista em parentalidade, e com vida profissional feita em Portugal e no serviço nacional de saúde neerlandês, ainda não recebeu, em território nacional, casos clínicos que decorram destas circunstâncias, mas não duvida que não tardarão a chegar.
"A questão dos partos gera um impacto psicológico e emocional imediatos e intensos" nas grávidas, refere a especialista. "Espera-se que um parto ocorra num ambiente calmo, protegido, medicamente acompanhado, mas quando o parto ocorre nestas circunstâncias podemos esperar ver o pânico e o medo, a perda de controlo, a sensação de stress agudo - com o que acarreta e que faz mal ao bebé como a taquicardia e hiperventilação - o choque emocional e a dificuldade do que está a acontecer", antecipa a especialista.
Sintomas que crescem depois para outros patamares mais graves. "As consequências disto serão memória traumática do parto, stress pós-traumático, sentimentos de culpa ou de falha por (as mães) acharam que decidiram mal ou não fizeram as coisas como deviam", acrescenta, ponde em cima da mesa o risco aumentado de depressões pós-parto.
Um quadro clínico, para já teórico, que Isabel não duvida que será mais premente "em zonas mais rurais e de menores rendimentos", com a ansiedade de estarem longe de urgências hospitalares ou de não terem dinheiro para irem para os privados.
Mãe de quatro filhas já crescidas, Isabel Henriques revela que, nos Países Baixos - onde também trabalha - era uma voz elogiosa do SNS português. Contudo, admite que o caso está a mudar de figura. "Fico chocada com tudo isto a que assisto, é gravíssimo", refere. "Como vamos por estas mães em riscos?", indaga.
Importa vincar que desde o início do ano e até ao final do mês de julho, foram contabilizados os partos de 42 bebés fora de maternidades, 38 dos quais em ambulâncias, segundo contas apresentadas pela SIC Notícias.
"Sommos muito penalizadas por ser mães"
Para lá dos partos, chegam agora as propostas laborais do Governo - que ainda terão de ser discutidas e sujeitas a votação na Assembleia da República - que querem mexer no luto gestacional, na amamentação e no horário flexível para quem tem crianças menores de 12 anos ou com deficiência. "São medidas muito drásticas que vão novamente criar pressão, as mulheres vão passar a pensar quatro, cinco ou seis vezes antes de serem mães em Portugal, somos muito penalizadas por sermos mães", analisa Isabel Henriques. "A maternidade já é uma tarefa difícil, com os riscos que correm e agora com volume de trabalho acrescido", lembra, que fala de "impactos piscológicos a muito curto prazo" e que voltam a avolumar o risco de culpa e depressão pós-parto, agravado pelo facto de "o Estado não dar sequer condições de suporte psicológico", uma vez que a psicologia não faz parte do dia a dia. "O Estado paga milhares em farmacologia, benzodiazepinas, está a alimentar os grandes laboratórios quando podia aplicar o dinheiro a ajudar pesssoas, com psicoterapia. Ajudavam todos: os psicólogos, os portugueses e vivíamos tdos menos medicados e mais felizes", afirma.
Com a experiência que tem na Holanda, Isabem Henriques crê que Portugal é, nestas matérias da maternidade, "um país de poucas regras". Apesar de considerar haver por vezes excessos na amamentação, esta-se a querer "fazer pagar o justo pelo pecador". "o que não é correto", afirma a psicóloga. "O sistema devia arranjar um processo mais justo e mais equilibrado para as mães que realmente precisam de amamentar este tempo", pede a especialista que defende que Portugal deveria ter "um ano de licença de maternidade pagos a 100% e para que o bebé estivesse pelo menos esse tempo com a mãe", sustenta. E sugere: "ao primeiro ano, com o bebé a começar a andar, a ir para a escolinha, às vezes até é bom para a imunidade, a brincadeira com os amiguinhos, mas não estarem lá aquele tempo todo louco que estão em Portugal."
Nos Países Baixos, conta Isabel Henriques, "o tempo para estar com o bebé aponta para primeiro ano e segundo com 80% do salário". Depois, uma vez na escola, "é habitual os bebés irem apenas da parte da manhã e as mães vão busca-los pela hora de almoço e não costumam trabalhar à tarde até aos quatro anos - quando começa a pré obrigatória -, numa tabela salarial cuja percentagem varia com o número de anos que se está com os filhos", esclarece.