Igualdade de género: mundo a duas velocidades está a puxar as mulheres para trás e para baixo
Nos pontos do globo onde a igualdade de género foi prioritária, as mulheres e as economias prosperaram e houve esperança na paridade. Contudo, os atuais ataques massivos aos direitos femininos e os conflitos e guerras recordes estão a puxá-las ainda mais para baixo e a comprometer os objetivos de igualdade para 2030, alerta estudo das Nações Unidas
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Nunca, em tantas décadas, tantas mulheres e meninas estiveram expostas a guerras e conflitos em todo o mundo - são mais de 676 milhões que vivem a pelo menos 50 quilómetros de batalhas mortais -, e a arriscarem fome e falta de nutrientes. Estima-se até que a incidência da anemia cresça de 31,3% em 2025 para 33% em 2030, ano estabelecido como horizonte para os objetivos sustentáveis para a igualdade, definidos pelas Nações Unidos. Estes e outros resultados sombrios foram apresentados esta segunda-feira, 15 de setembro, no relatório Gender Snapshot 2025, da autoria da ONU Mulheres e do departamento para Assuntos Económicos e Sociais das Nações Unidas.
Paralelamente, a mesma análise indica que os territórios que "promoveram políticas de igualdade tal levou à progressão das sociedades e da economia", afirmou a diretora-executiva da ONU Mulheres citada em comunicado. Sima Bahous, que prossegue para um segundo mandato à frente da entidade, lembrou que "a centralidade da igualdade de género e o papel da ONU Mulheres são mais importantes do que nunca", sobretudo num "espaço multilateral" cada vez "mais complexo do que nunca" e com "desafios mais difíceis".
Um trabalho que, como indica o relatório, está muito longe de ser conseguido em apenas cinco anos e num mundo que caminha em duas direções opostos: a conquista de direitos em alguns países e os recuos e ameaças aos direitos civis das mulheres que se têm evidenciado. Segundo o relatório, se esta segunda direção não for invertida, o mundo terá, daqui a cinco anos, 351 milhões de mulheres e raparigas a viverem na extrema pobreza.
O relatório global, que avalia o progresso das mulheres e raparigas ao abrigo de 17 objetivos sustentáveis, vem dizer claramente, que a prosseguir neste caminho incongruente, a igualdade de género estará longe de atingir os indicadores previstos na agenda 2030.
Em Portugal, os dados também não são animadores. A avaliação feita pelo Instituto Nacional de Estatística aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e para 2030, indica em junho que a Igualdade de Género era o único indicador português posicionado com evolução moderada ou mesmo contrária. "Relativamente a indicadores de paridade, a evolução [em Portugal] foi insuficiente para atingir a meta da paridade até 2030 definida pelas Nações Unidas", indicava o estudo.
O relatório lembrava , à data, que "a representação feminina no total de deputados eleitos observada anteriormente alterou-se em 2022 (para 37%), voltando a diminuir em 2024 (para 33%)". Ao nível autárquico, era de recuo que se falava. "Nas últimas eleições(2021), foram eleitas 29 mulheres para presidentes de Câmara Municipal, representando 9,4% do total de municípios (308). Verificou-se uma diminuição relativamente a 2017, ano em que tinham sido eleitas 32 mulheres", lia-se no documento. Resta saber que resultados vão chegar com o sufrágio de 12 de outubro.
Elas são mais na escola, mas são 'paradas' pela violência
De volta ao Gender Snapshot 2025, este indica que as meninas estão a ultrapassar os rapazes no ensino, mas num alcance que as afasta de conseguirem, enquanto mulheres, equilibrarem a conta da igualdade no mercado de trabalho, na representação política ou mesmo em cargos de chefia. Aliás, são interrompidas pelo caminho, com o relatório a indicar que uma em cada cinco meninas no mundo casam-se antes dos 18 anos.
A violência contra as mulheres cresce e o relatório (que pode ser consultado aqui) indica que uma em cada oito mulheres, com idades entre os 15 e os 49 anos, sofreu de violência por parte do parceiro, apenas contado o último ano. A análise mostra também que, olhando 78 países, uma em cada duas mulheres casadas não dispõe da capacidade de decisão sobre a sua saúde reprodutiva e os seus direitos.
A Mutilação Genital Feminina apresenta-se distante de estar erradicada: quatro milhões de meninas são sujeitas a estas práticas todos os anos, metade das quais antes de terem cinco anos.
Mais presentes no poder, mas longe de mandar
Se o Agenda 2030 tinha desenhado planos mundiais para as mulheres no horizonte de três décadas, a verdade é que a cinco de lá chegar, está ainda um mundo desigual - e nem sempre em progressão - por vencer. Aliás, em matéria de poder e rendimentos, a ONU Mulheres revela que o atraso médio é de, neste momento, quase um século. Olhando os dados globais, as mulheres ocupam 27% dos assentos parlamentares - havendo já recuos em territórios que tinham conquistado progressos nesta matéria, como em Portugal, por exemplo - e estão presentes em apenas 30% dos processos decisórios. A ONU Mulheres revela que "as quotas mostraram que era possível" caminhar para um maior equilíbrio, mas têm-se revelado "dolorosamente lentas", lê-se na nota emitida pelo organismo internacional.
No plano do trabalho e, claro, rendimento, as notícias são penosas: estima-se que 708 milhões de mulheres estejam fora do mercado de trabalho, empurradas para o esforço não pago (duas vezes e meia maior no sexo feminino do que no masculino) e para a pobreza.
A Inteligência Artificial, revela a ONU Mulheres, não antecipa melhorias para as mulheres, embora pudesse. Segundo as contas da diretora-executiva da entidade, Sima Bahous, a tecnologia poderia encurtar distâncias entre géneros, beneficiar "343 milhões de mulheres e raparigas, retirar 30 milhões da pobreza extrema, melhorar a segurança alimentar de 42 milhões e trazer 1,5 biliões de dólares para a economia mundial". Contudo, as contas apresentadas pelo Gender Snapshot 2025 trazem números diferentes: 28% dos trabalhos delas estão em risco, o que compara com 21% para os homens.