Uma em cada cinco interações dirigidas a políticas e ativistas na rede social X é violenta
Subestimação das capacidades das mulheres a par de reação a filiação política e comentários sobre o corpo e sexualidade são os temas violentos mais presentes nas interações que mulheres políticas, ativistas e jornalistas recebem através da rede social X. Deputadas contam experiências de violência através das plataformas
Corpo do artigo
A social-democrata Eva Brás Pinho foi "avisada por um senhor, e já quando era deputada", que "existiam fotografias" dela "num grupo de Telegram onde casais procuravam terceiras pessoas para envolvimentos"."Não usava o meu nome, mas a pessoa usava as minhas fotografias", revelou a deputada no dia em foram apresentadas as conclusões do estudo sobre violência online a que as mulheres com projeção pública estão sujeitas e que indica que, em Portugal, uma em cada cinco interações é de carácter violento.
A bloquista Andreia Galvão também passou a conhecer uma nova dimensão da violência digital desde que assumiu o cargo da deputada única Mariana Mortágua. "Antes do anúncio recebia comentários positivos e encorajadores. Dias depois, os ataques chegavam por dois campos: por um lado, que eu era lésbica e, por outro, que me devia prostituir".
A estas duas deputadas juntam-se Filipa Pinto, do Livre, que tornou todas as suas redes privadas em 2019 quando se juntou ao partido e após ameaças reais que recebia. Reabriu-as depois para arrumar de vez com o medo. Madalena Cordeiro, do Chega, também tem histórias para contar, lembrando que as mulheres de direita também estão sob ataque. "No início do Parlamento, foi difícil devido à idade, entrei com 20 anos, achavam que não tinha credibilidade para estar aqui", recorda.
"Sim, também já fui alvo de ataques. A rede X é muito agressiva, e eu não gosto de política agressiva", diz a deputada socialista Elza Pais, que considera que a "estratégia para enfrentar isto é o empoderamento" e que a "educação para a cidadania e educação sexual nas escolas é decisiva para que uma criança perceba que tem de respeitar o outro. Se não aprendeu ali, onde vai aprender.?", indaga, no âmbito do debate em torno do estudo Prevenir a violência digital contra as mulheres na Ibero-América, apresentado esta segunda-feira. 29 de setembro, na Assembleia da República.
10% das contas são responsáveis por 35% das agressões
Estudo iberoamericano analisou, em setembro de 2024, mais de 581 mil interações de 351 contas de mulheres com voz ativa na sociedade em oito países [Andorra, Bolívia, Espanha, México, Panamá, Portugal, Republica dominicana e Uruguai], todas da rede social X. Por cá, com dados nacionais da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), foram monitorizadas as interações com contas de 43 personalidades femininas de todos os espectros e numa altura em que não havia eleições no horizonte. "Se fizéssemos o estudo agora em Portugal, talvez tivéssemos dados mais elevados por ser período pré-eleitoral [Autárquicas]", ressalva a chefe da equipa do Núcleo de Prevenção da Violência Doméstica e Violência de Género da CIG.
Marta Silva conclui que, à data, "predominavam os ataques que recorriam à subestimação das capacidades, muito ancoradas em estereótipos de género ('devias estar em casa' ou 'vai lavar a loiça'), à corrupção e a capacidades cognitivas (60%), seguido dos ataques baseados na filiação (41%). Num terceiro nível, surgiram "os comentários sobre corpo e sexualidade (8%) e, em menor prevalência, os ataques identitários (2%) e as ameaças diretas (1%), sendo que estas, embora menos prevalentes, eram as que mais impacto tinham na perceção de segurança", acrescenta a especialista. Para as deputadas presentes, o valor das ameaças pode estar subrepresentado porque estas chegam sobretudo por mensagem privada, escapando assim ao radar do estudo, que analisou o que estava público.
Marta Silva, chefe da equipa do Núcleo de Prevenção da Violência Doméstica e Violência de Género da CIG
Uma eventual "ação concertada" destes ataques contra as mulheres não foi descartada. "Em Portugal, 39% das contas analisadas [na plataforma X] são agressivas e cerca de 10% delas geram quase 35% das interações violentas dirigidas às mulheres", alerta Marta Silva, abrindo caminho para a urgência de detetar se são humanos ou bots que estão a perpetuar este tipo de ataques.
Carina Quaresma, presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género
"Se, num polo, temos violência contra as mulheres mais privada e anónima - como a violência doméstica - aqui temos outra de visibilidade pública. Ambas têm pontos em comum, não podemos silenciar", afirma a recém-empossada presidente da CIG. Carina Quaresma pede "a participação de todos, homens também, para consolidar um caminho de combate e prevenção", a par de "políticas públicas de cidadania".
Plataformas responsabilizadas, cidadania nas escolas e identidade dos agressores
"É preciso agir junto dos prestadores de serviços e existir interação com autoridades policiais e judiciais, proteção da vítima e remoção dos conteúdos violentos", pede a deputada comunista Paula Santos, falando da necessidade de "tomar diligências com outros países também no sentido da prevenção".
Se parte das deputadas presentes no debate crê que a lei atual tem "ferramentas" capazes de dar respostas aos desafios deste mundo da violência digital, embora careça de maior velocidade e leitura mais atual, há quem peça acertos. Filipa Pinto defende que o "Código Penal tem de ser ajustado" e deve haver "reforço da cidadania nas escolas". Andreia Galvão, do BE, lembra que o "projeto de lei para proteção das vítimas de violência sexual com base em imagens reuniu consenso alargado e vai agora ser discutido", mas considera que a ação de combater tem de estender-se a uma "integração" europeia e global.
Num debate marcado pela eterna fronteira entre "a liberdade de expressão e os discursos de ódio", Eva Brás Pinho vinca a necessidade de "formação aos magistrados" e de uma "interpretação atualista das normas". A deputada social-democrata diz que o governo está a trabalhar na "transposição da diretiva 1385/2024 sobre ciberviolência e ciberassédio", que "vai trazer uma resposta concreta".
A socialista Elza Pais considera que "a legislação tem de avançar para proteger as vítimas e responsabilizar os agressores, muitas vezes diluídos no quadro do anonimato" que as redes promovem. A chefe de gabinete do grupo parlamentar do CDS/PP Catarina Campos pede "políticas públicas", "aposta mais na prevenção e menos na repressão", "literacia digital" e "mecanismos de cooperação internacional para rastreamento de agressores". "As plataformas têm de garantir que os perfis criados sejam monitorizados, exigindo identificação a quem cria as contas", acrescenta a deputada do Chega Madalena Cordeiro.