Foi o treinador da moda na Premier League e está de volta ao futebol português. Carlos Carvalhal seguiu a intuição e, uma década depois, volta aos comandos de uma equipa da Liga, o Rio Ave. Em Vila do Conde, o técnico tem o desafio de montar uma equipa nova e manter a imagem de marca, de futebol positivo, à procura da vitória seja contra quem for.
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Tem andado menos de bicicleta.
[Sorriso] Agora só ando ao domingo de manhã, mas quando tiver mais tempo vou voltar a andar. É o meu hobby preferido.
Já tinha saudades desta rotina e do cheiro da relva?
Sim, porque continuo a ter prazer no treino. Mesmo se não fosse a minha profissão, iria treinar alguma equipa porque é algo que me dá prazer. É uma satisfação voltar a treinar e, porque não dizê-lo, estar de novo perto da família.
E que ideias traz ao futebol português?
São 10 anos de experiências, de situações. Já disse que em termos de personalidade sou a mesma pessoa que era antes, mas como treinador sinto-me mais maduro e preparado. Deixámos uma marca de futebol positivo por onde passámos, na Turquia, nos Emirados e em Inglaterra, e se não fosse dessa forma não atingiríamos uma meia-final do play-off do Championship e uma final em Wembley.
Um dos costumes do futebol inglês é o convívio entre técnicos. É verdade que já comprou umas caixas de vinho verde?
[Sorriso]. É uma situação que vivi em Inglaterra e aquilo é catártico para os treinadores. Alivia a carga emocional. Gostava de o fazer aqui, mas não há grandes condições e percebo que, culturalmente, não é fácil.
Mas vai tentar?
O que vou fazer, como ato de gentileza, é oferecer duas garrafas de vinho verde a todos os adversários. Já falei com um amigo meu, que comprou a propriedade do Solar das Bouças, que é um vinho excelente, e vou ter essa gentileza.
O que consegue responder às pessoas que pensam que está a dar um passo atrás ou ao lado?
Nunca me preocupei com os passos. Se assim fosse não tinha ido da 1.a Divisão, no Aves, para o terceiro escalão, no Leixões. Segui a minha intuição e, neste caso, é igual. Reuni com dois clubes do Championship, mas entendi que não era aquilo que queria. Não seria bom lutar por objetivos menores só para ficar em Inglaterra.
O regresso a Portugal cria condições para reencontrar Bruno Lage, que foi seu adjunto no Sheffield. Vai ser especial?
Obviamente, sou amigo do Bruno Lage, mas também sou amigo do João Pedro, que vai treinar o Famalicão, onde também está o Rifa. O Vítor Oliveira é uma pessoa por quem tenho enorme consideração, o Filó foi meu jogador no Espinho e o Silas no Belenenses. E isto para dizer o quê?
Que há ligações muito fortes.
Sim, também tenho uma relação empática com o Sérgio Conceição. O treinador do Sporting ainda não tive oportunidade de conhecer. O Augusto Inácio, por exemplo, sempre tive uma relação cordial, e o Bruno encaixa-se no rol das amizades, mas quando tocar o primeiro apito, vamos tentar fazer o nosso melhor e isso passa por tentar vencer todos os jogos.
Dá-lhe uma garrafa extra no fim.
Isso não dou, mas as duas estão garantidas.
Certamente, teve oportunidade de lhe dar os parabéns pela conquista da Liga.
Sim, é uma situação normal entre amigos. Tivemos oportunidade de almoçar juntos.
No seu percurso, há exemplos de vários adjuntos que depois passaram a caminhar sozinhos. O Miguel Leal, por exemplo.
O Miguel Cardoso também.
É propositado?
Sim, a ideia é essa. O que aconteceu com o Bruno está agora a acontecer com o Luís Nascimento [adjunto do Rio Ave], que por acaso é irmão dele.
O que vê nele?
Reconheço competência. Tal como aconteceu com o Miguel Cardoso, quando estava na formação do F. C. Porto e foi trabalhar comigo no Belenenses. O Luís Nascimento entra naquela linha dos treinadores que ainda não tiveram o seu campo de experimentação. Quem trabalha na formação nunca está preparado para a equipa sénior.
Parece igual, mas não é?
É diferente, as vivências são diferentes. Há quem passe por elas e não as consiga absorver. Daí o facto de um Bruno saltar de nível, o Miguel Cardoso, o Miguel Leal, porque são pessoas inteligentes.
Nessa lógica, o Luís Nascimento é o próximo a saltar de nível.
O plano é esse. Tal como o Bruno ficar connosco dois ou três anos e depois seguir o seu caminho. Traz alguma coisa e leva também muita coisa da equipa técnica, porque já são muitos anos a virar frangos.
Tem mais potencial que o irmão?
É diferente. Quando o Bruno foi para o Benfica B, tive a oportunidade de dizer, em duas entrevistas, que ele estava preparadíssimo para treinar a um alto nível. Disse-o antes, depois no final apareceram muitos padrinhos, mas eu também não quero ser padrinho de ninguém.
Viu no Benfica campeão algumas ideias que trabalhou com Bruno Lage em Inglaterra?
Eh, pá, não queria estar a centrar a entrevista nesse tema. O que posso dizer é que se tu trabalhas numa Redação, és um jovem e estás no meio de três ou quatro pessoas experientes, ou tens alguém que lidera a Redação, acho que terás de beber muito da pessoa que está à frente. Depois, com certeza, haverá o teu estilo e personalidade. Acho que respondi de uma forma bastante clara.
Qual vai ser a identidade do Rio Ave?
Queremos uma equipa de futebol positivo, que saiba o que faz dentro de campo e que seja forte em vários aspetos. Queremos ter bola, impor o nosso jogo e, mesmo quando o adversário estiver a ser melhor, sermos inteligentes e saber reagir. No fundo, queremos apresentar um futebol atrativo e competitivo.
Os objetivos passam pelos lugares europeus?
Neste momento só temos cinco lugares que dão acesso à UEFA. Quatro deles, pela história dos últimos anos, estão definidos pelas equipas que todos sabemos e, depois, sobra um lugar, mas que é mascarado, pois tem que ver com a presença na Taça. Vai também depender dos jogadores que conseguirmos recrutar, porque perdemos elementos importantes, como o Léo Jardim, Rúben Semedo, Fábio Coentrão, Gelson Dala ou o Galeno.
Até agora o Rio Ave só apresentou dois reforços, é algo que o preocupa?
Os jogadores estão a pedir balúrdios. Temos de esperar que esses atletas passem da fase, que eu chamo, do Real Madrid, para a fase da Fiorentina e só depois, quando a época começar, e eles começarem a ficar nervosos, porque os contratos não aparecem, passamos para a fase do Cagliari, onde equipas como o Rio Ave já vão conseguir contratar. Estou tranquilo porque o nosso presidente é inteligente e sabe mexer-se bem no mercado.
É possível comparar a realidade de clubes como o Swansea ou o Sheffield Wednesday com a do Rio Ave?
Não quero estar a diminuir o nosso campeonato, mas para se ter uma ideia, um jogo do terceiro escalão do futebol inglês tem uma média de 35 mil pessoas nas bancadas. O que podemos comparar é o valor humano, e aqui há excelentes jogadores, treinadores, dirigentes. Temos um grande potencial, mas não somos bons a gerir este negócio e a protegê-lo.
Vai evitar falar de arbitragem?
A minha intenção é não falar dos árbitros e tentar contribuir na valorização do espetáculo. Acho que este pode ser um ano de viragem no futebol português. Conheço bem os meus colegas treinadores e acho que há vontade de mudar e não entrar em confusões.
As suas ambições passam por voltar a trabalhar num dos grandes ou regressar a Inglaterra?
Quanto aos jogadores, queremos manter essa ideia de praticar um futebol atraente que os possa promover. A nível pessoal, aceito o que o destino determinar. Estou preparado para tudo, mas gosto de estar onde me convidam.
CV: Carlos Carvalhal
Data de nascimento: 04/12/1965 (53 anos)
Naturalidade: Braga
Clubes: Espinho, Freamunde, Vizela, Aves, Leixões, V. Setúbal, Belenenses, Braga, Beira-Mar, Asteras Tripolis, Marítimo, Sporting, Besiktas, Istanbul BB, Al Ahli, Sheffield Wednesday, Swansea e Rio Ave