Filho de peixe sabe nadar. O provérbio aplica-se na perfeição a Jorge Silva, central que joga na Lazio, em Itália, e que é filho de Jorge Silva, defesa que se sagrou campeão nacional pelo Boavista. Na família há ainda outro nome sonante, Fábio Silva, avançado de 17 anos que está a cumprir uma pré-época de sonho no F. C. Porto. Jorge Silva recorda episódios com João Félix no Benfica - tinha problemas por causa da questão física -, explica o impacto de Ronaldo em Itália e como Sérgio Conceição é ainda muito admirado pelos adeptos do clube romano.
Corpo do artigo
Já se imaginou a defrontar a Juventus e a marcar Ronaldo?
Isso é outro sonho. Na última época, estive no banco num jogo do campeonato contra a Juventus e só de vê-lo dentro do campo deu-me logo vontade de entrar. Seria uma motivação extra jogar contra o melhor do Mundo.
Chegou a falar com ele?
Não. Ele marcou o golo da vitória da Juventus nos últimos minutos e ninguém o parava porque andava à volta do campo a festejar [risos]. Estivemos a ganhar, o João Cancelo fez o empate (1-1) e de penálti o Ronaldo deu-lhes o triunfo. No fim, ainda tentei falar com ele, mas correu para a claque e depois, no fim, nunca mais saía do balneário. Não houve tempo.
Como tem visto o fenómeno de Cristiano Ronaldo em Itália?
Trouxe muitas coisas boas ao futebol italiano. Os jogos são mais vistos e há mais craques a quererem mudar-se para cá. Desde que chegou, o futebol tornou-se mais atrativo e as condições dos futebolistas melhoraram.
Sérgio Conceição jogou na Lazio. Como é que os adeptos ainda olham para ele?
De forma muito positiva e isso viu-se na última época. É um ícone. Na temporada passada veio cá com o F. C. Porto jogar com a Roma e os adeptos da Lazio mostraram todo o seu carinho. Foi muito aplaudido, é uma referência. Como sabem que eu sou português, às vezes cantam-me na brincadeira a música do Conceição.
Foi jogador do F. C. Porto e do Benfica, nos escalões de formação. Há uma grande diferença na forma de trabalhar de cada clube nessa área?
Há diferenças. Cada clube tem o seu modelo de trabalho, mas não se pode dizer que um é melhor do que o outro. O Benfica tem uma boa formação e o F. C. Porto também, como se vê nesta pré-época.
No Seixal, jogou com Rúben Dias e João Félix.
São excelentes jogadores. Joguei mais anos com o Félix e acompanhei o seu percurso. Ele teve alguns problemas devido a questões físicas, mas sempre lhe disse para ter calma. No F. C. Porto não era titular e no Benfica, no início, também não era. Só depois se impôs porque, apesar de não ter um grande físico, já pensava mais rápido do que os colegas.
Houve alguma história que tenha marcado a sua vivência com Félix?
Sim. No primeiro ano no Benfica, depois de sairmos do F. C. Porto, fomos jogar ao Olival, a nossa antiga casa. Eu e ele estávamos na dúvida se nos íamos sentir bem e confiantes, mas felizmente fomos os melhores em campo. Eu fiz uma grande exibição e ele marcou um golo. Empatámos (1-1), mas foi uma jornada em grande.
Bruno Jordão e Neto estão também na Lazio e foram hipótese para o Benfica. Tinham condições para se afirmar na Luz?
Conheço-os há algum tempo e têm muita qualidade. Mais cedo ou mais tarde, vão prová-lo, seja na Lazio ou no Benfica.
É filho de Jorge Silva, que jogou no Boavista. Ser filho de um antigo jogador é bom ou traz mais pressão?
É bom, é o melhor que se pode ter. Temos um pai que viveu tudo o que os filhos estão agora a passar e tenta preparar-nos para jogarmos ao mais alto nível. Não há pressão, é um privilégio ter a ajuda dele, pois achamos que assim aprendemos mais rápido. Hoje é empresário, mas percebe muito de futebol e aconselha-nos ao milímetro.
Está sempre muito presente.
Muito. Mesmo quando não consegue assistir aos jogos, vê os vídeos e aponta num caderno o que fizemos de bem e de mal.
Consegue recordá-lo como jogador?
Não me recordo bem dos seus tempos áureos no Boavista, mas lembro-me de o ver jogar. Tenho um orgulho imenso do seu percurso. Hoje sempre que o meu pai entra em qualquer lado é reconhecido, o que diz bem da boa pessoa que é.
O seu pai é, para já, o único da família que se sagrou campeão nacional...
Eu e o meu irmão fomos campeões na formação, mas é óbvio que também o queremos ser nos seniores.
Como se caracteriza como jogador?
Muito técnico e confiante nas minhas capacidades. Em Itália ganhei o que me faltava: agressividade e concentração. Neste país há muito rigor defensivo, é o local ideal para evoluir como defesa.
Cumpre agora a pré-temporada no seu clube, a Lazio. Já sabe se vai permanecer no plantel?
A pré-época está a correr bem, mas ainda ninguém me disse nada. O objetivo é ficar.
Singrar na Lazio é um sonho ou um objetivo?
Um sonho. Desde pequeno que ouço falar na Lazio e chegar a este patamar é um sonho tornado realidade. Por tudo o que passei até aqui, acho que mereço ficar. Mas isso não quer dizer que me vão dar a oportunidade, até porque em Itália ligam muito à idade e gostam de jogadores experientes.
Como é Simone Inzaghi como treinador? Tem-no ajudado?
Ajudou no passado e continua a fazê-lo. É um treinador muito bom e tem um grande coração. Está sempre preocupado com o nosso bem-estar. Graças a ele e ao meu trabalho, cheguei a este nível.
Que dificuldades sentiu na adaptação a Roma?
Hoje estou completamente adaptado, mas no primeiro ano senti dificuldades. Ao clima, à comida e à própria cidade.
Qual é o prato que mais aprecia em Itália?
Massa. Todos os dias comemos, se não comemos não é dia [risos]. De peixe, de carne, aqui as massas são boas. No início foi um choque comer sempre massa, mas habituei-me e gosto muito.
Apesar de estar em Itália, Jorge Silva acompanha atentamente a carreira do irmão Fábio e aplaude a integração no plantel dos dragões.
É irmão do Fábio Silva. Quem joga melhor: o Jorge ou ele?
Jogamos bem os dois, mas cada um na sua posição. Na frente, ele é melhor do que eu (risos). Com a idade que tem, é um orgulho vê-lo na equipa principal do F. C. Porto.
Surpreende-o a ascensão dele?
Não, ele foi muito precoce . Foi sempre mais maduro do que os outros e tem a vantagem de ocupar uma posição em que não há muitos jogadores na seleção portuguesa.
Acha que o Fábio conseguirá aguentar as expectativas que se têm criado à sua volta?
Sim. À sua volta tem gente que o ajuda na questão mental. É importante não perder a humildade nem andar em bicos de pés.
Como é o vosso relacionamento?
Muito bom. Falamos quase todos os dias e damos conselhos, há uma grande amizade.
Durante a formação, o vosso percurso foi semelhante. Depois de terem estado no F. C. Porto, optaram por alinhar no Benfica. Porquê?
Nessa altura, em 2015, falámos com a família e decidimos jogar pelo Benfica, que nos ofereceu melhores condições. Vivemos dois anos no Seixal.
A seguir, cada um foi para seu lado.
Ele regressou ao F. C. Porto e eu fui para a Lazio. Foi uma etapa difícil. No futebol, há dias que nem sempre correm bem e o apoio de um irmão é importante. A mim custou mais porque fui viver sozinho, longe da família. Costumo dizer que não se aprende a viver longe de quem amamos.
Como surgiu a hipótese de representar a Lazio?
Recebi a primeira proposta há quatro anos e recusei. Como estava no Benfica, disse logo que não queria sair. Na época seguinte, a Lazio falou novamente comigo e aceitei devido a uma situação que se passou, relacionada com a saída do meu irmão do Benfica para o F. C. Porto.
Saiu a mal do Benfica?
Não, a bem.
Nunca se arrependeu de ter mudado de país?
Nunca, estou muito feliz. Voltar a Portugal? Quero afirmar-me em Itália. Mas, se surgir o interesse, vou analisar. A regressar, tem de ser pela porta grande.