Centro de Medicina de Lisboa identificou 175 candidatos, entre 140 mil, sem condições para a prática desportiva
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São dados do Departamento de Medicina Desportiva do IPDJ e dizem quase tudo: nos últimos 140 mil exames médicos realizados em Lisboa a praticantes federados, foram identificados 175 candidatos com "contraindicações absolutas de causas cardíacas para a prática desportiva de competição". Que é como quem diz, e numa conclusão mais drástica, que os exames salvaram 175 desportistas potenciais vítimas de morte súbita, que ficam também como o reflexo de um cuidado cada vez maior em tentar evitar estes casos. Isto numa semana marcada pelo falecimento em campo de Fábio Mendes, jogador de futsal do São João.
Claro que, como salienta Henrique Jones, ao JN, "por mais exames que se façam, a morte súbita pode acontecer", mas a tendência, dizem as estatísticas e explica a evolução médica, aponta para que estas tragédias percam espaço, principalmente na alta competição, onde a prevenção é cada vez maior. "O número de casos de morte súbita no desporto em geral tem diminuído", confirma Raul Pacheco. "O rastreio aos praticantes desportivos tem melhorado", acrescenta o diretor do Departamento de Medicina Desportiva do Instituto Português do Desporto e Juventude. O dirigente estima que "em Portugal terão ocorrido 25 casos [de morte súbita] nos últimos 20 anos numa população desportiva federada de cerca de 500 mil desportistas/ano".
Nos tempos que correm, os exames médicos de início de época são decisivos, até porque o protocolo atual torna "obrigatório a realização de eletrocardiograma a todos os atletas federados", medida que "permite despistar cerca de 65% das patologias de natureza cardíaca". É o mínimo. Quanto mais acima, mais rigor. No alto rendimento, o ecocardiograma já é recomendado, e, apurou o JN, é prática comum entre modalidades e clubes. O grosso dos problemas cardíacos são descobertos assim e quando detetados requerem outra bateria de exames, tais como "exames com imagem, eletrocardiogramas de 24 horas ou testes genéticos de patologia cardíaca", específica Henrique Jones, membro do comité médico da UEFA [ver página ao lado]. De acordo com Raul Pacheco, "as causas mais frequentes de morte súbita em jovens com menos de 35 anos durante o exercício incluem anomalias congénitas das artérias coronárias e a miocardiopatia hipertrófica". O dirigente alerta ainda para o recurso a substâncias suspeita. "Estou convencido de que muitas mortes veem de uso de substâncias dopantes", realça Raul Pacheco.
Por outro lado, já é possível identificar alvos que requerem mais cuidados. O histórico familiar é tão relevante ao ponto de "se houver referência a casos de morte súbita na família antes dos 35 anos isso é um forte sinal de alerta e obriga a avaliações complementares", de acordo com o Diretor do Departamento de Medicina Desportiva do IPDJ. Mas também há a questão genética. "Já se sabe que a raça negra tem maior propensão a desenvolver problemas cardíacos", revela Henrique Jones.
Clubes profissionais apertam a malha no início da época
Se a profundidade dos exames cardíacos tem vindo a evoluir com o tempo, a regularidade com que se realizam mantém-se resistente ao avanço do calendário. Os clubes profissionais do futebol português realizam rastreios virados para o coração no início de cada temporada. No escalão maior, praticamente ninguém escapa a provas de esforço, estudos analíticos ao sangue, eletrocardiogramas e ecocardiogramas.
"Não é por acaso que há cada vez mais casos de anomalias cardíacas detetadas na alta competição e que a maioria das mortes acontecem a um nível amador", adianta João Sousa, enfermeiro do Feirense há duas temporadas, em conversa com o JN. Com mais preocupação, a lógica podia recomendar que este tipo de exames fossem mais regulares, só que isso dificilmente teria resultados práticos e evitaria eventuais casos de morte súbita. "Os jogadores fazem exames cardíacos todos os anos, antes do início de cada época, são atletas que, normalmente, correm mesmo que não estejam em competição, há provas de esforço... Não é mais exames que muda alguma coisa", esclarece João Sousa, salvaguardando o facto de haver "problemas que não são detetáveis e outras situações imprevisíveis".
O enfermeiro do Feirense destaca ainda a maior responsabilização nos elementos dos departamentos médicos como fator importante para lidar com estes casos, detetar problemas cardíacos e com isso ajudar diminuir as tragédias nos campos de futebol. "Hoje em dia, há mais preocupação e nota-se um sentido de responsabilidade muito maior nos departamentos clínicos dos clubes profissionais no que aos exames médico-desportivos diz respeito", completa João Sousa.
"Assunto muito importante na UEFA"
Também nas altas instâncias do desporto em geral e do futebol em particular o problema da morte súbita no desporto é motivo de discussão. A UEFA, claro, não foge à regra. "É um assunto muito importante e está em constante avaliação. Nas reuniões do Comité Médico, estamos à procura de constante atualização de dados, à procura de propostas de exames, etc.", adianta Henrique Jones, membro do comité, ao JN. A capacidade de resposta às tragédias também é levada em conta: "Também se debate sobre as atitudes a tomar quando esses casos acontecem", completa o ex-médico da seleção.
Mortes nos últimos 20 anos
Paulo Pinto
27 anos / Aveiro Basket
2002
Considerado um dos melhores basquetebolistas portugueses, Paulo Pinto morreu durante um desconto de tempo.
Marc Vivien-Foé
28 anos / Manchester City
2003
O internacional camaronês caiu inanimado durante um jogo e não voltou a acordar. A autópsia atribuiu a morte a um aneurisma.
Miklos Fehér
24 anos / Benfica
2004
Foi num V. Guimarães-Benfica que o futebol português ficou em choque. Fehér sorriu e tombou para a morte por paragem cardíaca.
Bruno Baião
19 anos / Benfica
2004
O médio jogava nos juniores do Benfica quando caiu inanimado num café por falha cardíaca. Esteve em coma antes de falecer.
Hugo Cunha
28 anos / U. Leiria
2005
Foi num jogo entre amigos que o então médio do União de Leiria morreu subitamente, vítima de uma paragem cardiorrespiratória.
Antonio Puerta
22 anos / Sevilha
2007
Durante um jogo do campeonato, Antonio Puerta caiu de repente. Sofreu nove paragens cardíacas antes de se confirmar o pior.
Dani Jarque
26 anos / Espanhol
2009
O jogador do Espanhol foi encontrado morto no quarto. Terá sofrido um ataque cardíaco quando estava ao telefone com a mulher.
Davide Astori
31 anos / Fiorentina
2018
É o último caso mediático de morte inesperada de um desportista de alta competição. Astori também foi traído pelo coração.