Rúben Amorim foi inscrito pelo Sporting como adjunto, no ano passado, a exemplo do que já tinha acontecido no Braga, no final de 2019
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E se o maior candidato a treinador do ano, provável futuro campeão nacional, não estiver habilitado a desempenhar funções num clube do principal escalão do futebol português?
A questão coloca-se no caso de Ruben Amorim, que está no centro de uma polémica provocada pela abertura de um processo ao Sporting, acusado de fraude na inscrição do treinador pela Comissão de Instrutores da Liga. Amorim arrisca uma suspensão de um a seis anos, por não ter ainda concluído o quarto e último nível do curso de treinador, obrigatório para quem está ao comando de cada uma das 18 equipas da divisão principal do futebol profissional em Portugal.
Para concluir o IV nível, a UEFA dá a possibilidade às federações nacionais de fazer um curso de dois em dois anos, com vagas limitadas (cerca de 30). O curso, denominado UEFA Pro tem um ano de duração, ao contrário dos de nível III (UEFA A), que duram seis meses, tal como os nível I e II. Ao que o JN apurou, a pedido excecional da FPF, foi autorizada este ano pelo organismo que tutela o futebol europeu a realização de três cursos UEFA Pro em Portugal, dois quase em simultâneo (iniciados no mês de julho do ano passado e para finalizar em junho deste ano) e mais um iniciado em dezembro passado e para concluir no final de 2021.
Em condições normais, um candidato a treinador precisa de quatro anos para concluir o curso, embora os ex-futebolistas beneficiem de uma equivalência que lhes permite iniciar a formação técnica no segundo nível, reduzindo a carga letiva e horária. No entanto, o IV nível pode ser mais problemático, devido à já referida periodicidade bianual imposta pela UEFA e à limitação de vagas nos cursos, fatores que têm aberto o caminho a várias críticas de dirigentes de clubes. Por exemplo, de António Salvador, líder do Braga, que, quando promoveu Rúben Amorim a treinador principal, no final de 2019, confrontado com o facto de o técnico não ter o IV nível, chegou a dizer que "não se pode estar oito anos à espera para se tirar o curso".
Sobre a acusação de fraude ao Sporting, que inscreveu Amorim como adjunto no ano passado, a Associação Nacional de Treinadores de Futebol, liderada por José Pereira, não quis tecer comentários.
"Via verde" para os ex-jogadores e a "falácia" dos 10 anos
Sob a tutela da Federação Portuguesa de Futebol, debaixo de regras da UEFA, o curso de treinador em Portugal implica a frequência em quatro níveis, ao longo dos quais existe uma progressividade de conteúdos programáticos em áreas como a psicologia, a fisiologia, a metodologia específica de treino, a técnico-tática ou a didática do jogo. Em cada nível, as disciplinas são as mesmas, mas com conteúdos diferentes. O curso, entre aulas teóricas e estágios, tem um total de 550 horas e um custo final superior a 10 mil euros.
Jorge Castelo, que lecionou durante 20 anos, ao serviço da FPF, explica ao JN que os jogadores que quiseram tirar o curso no final das respetivas carreiras tiveram sempre "via verde" para o fazer, com "privilégios" em relação aos formandos que não tinham sido futebolistas. "Os ex-jogadores começam o curso no segundo nível, devido a uma equivalência, e logo aí o tempo de formação e a carga horária são reduzidos. Além disso, muitos beneficiaram do facto de poderem tirar o terceiro e o quarto níveis ao mesmo tempo, num só ano. Quando eu dava os cursos, isso aconteceu, por exemplo, com o Paulo Fonseca e com o Marco Silva", revela Castelo, que considera uma "falácia" dizer-se que um ex-futebolista demora "oito ou dez anos" a concluir o curso de treinador.
Quanto às limitações do número de vagas em cada nível, a determinação não é da responsabilidade da FPF. "Quem estabelece o número de candidatos é a UEFA. Como é evidente, o objetivo é impedir que haja treinadores a mais para a procura por parte dos clubes", sublinha Jorge Castelo, sem se furtar a dar uma opinião sobre o processo aberto pela Liga a Rúben Amorim, na sequência de uma queixa da Associação Nacional de Treinadores de Futebol.
"A ANTF está pressionada por quem finge querer cumprir a lei. O assunto devia ter sido resolvido de outra maneira, com bom senso e com as pessoas a conversar. Agora, há uma coisa que é verdade. Se o Rúben Amorim for no fim da época para o Manchester United, por exemplo, a liga inglesa não lhe dá a licença para treinar se ele não tiver o curso completo", referiu.
Temos mais de mil treinadores com o nível quatro
José Pereira, presidente da Associação Nacional de Treinadores de Futebol
Concorda com a ideia de que os treinadores de futebol, sobretudo os que foram jogadores, demoram demasiado tempo a formar-se?
Depende. Em qualquer licenciatura que se for fazendo, concluí-la tanto pode levar três anos como dez. Se um jogador só começar a tirar o curso de treinador depois de terminar a carreira, é natural que demore mais tempo. Mas é importante realçar que os jogadores podem tirar os dois primeiros níveis enquanto jogam e, terminada a carreira, só lhes fica a faltar o terceiro e o quarto níveis. Neste caso, em dois ou três anos, terminam o curso.
Há algo que possa ser feito para simplificar o processo de certificação académica dos treinadores?
Quem tutela a formação de treinadores em Portugal é a FPF, de acordo com as determinações da UEFA. Há uma dupla certificação que é exigida pelo IPDJ e pela própria UEFA. É um facto que, nos níveis 3 e 4 do curso, existe alguma dificuldade pelo condicionamento no que diz respeito ao número de entradas. A UEFA só permite um curso de nível 4 de dois em dois anos, com 30 vagas disponíveis. Não é a Associação Nacional de Treinadores que as determina, nem o número de horas do curso. Agora, é evidente que a procura excede largamente a oferta. Temos em Portugal mais de mil treinadores com o grau 4. E só há 18 clubes com obrigatoriedade de os contratar.
O acesso de treinadores a clubes da 1.ª Liga sem o curso finalizado deve ser vedado?
Isso está na lei que emana da Assembleia da República e no regulamento de competições da Liga. E não se trata de uma lei exclusiva para treinadores de futebol, mas para treinadores de todas as modalidades.
Porque é que há clubes a tentar contornar essa lei?
Essa é uma pergunta que terá de fazer aos clubes. Não me compete responder.