A pandemia é mundial e não tem dado descanso. O novo coronavírus veio para ficar e o universo desportivo, em standby em quase todas as modalidades e países, tem vivido uma conjuntura praticamente inédita.
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Frederico Varandas, presidente do Sporting, é a "cara" mais mediática do desporto português na linha da frente no combate à Covid-19. No entanto, não é o único soldado neste duelo. Com os campeonatos parados e as necessidades crescentes de profissionais de saúde no ativo, são vários os atletas profissionais que colocaram os golos e a prática desportiva a "meio gás", para vestirem a bata branca a tempo inteiro.
Dos triplos às manchetes, passando pelas altas velocidades dos patins, aos jogos frenéticos de andebol. A paixão é comum a todos, mas as últimas semanas têm sido dedicadas ao outro amor de uma vida: a medicina e o auxílio ao próximo. Afinal, esta é uma batalha que diz respeito a todos. E, apenas de esforços unidos, conseguiremos conquistar a tão desejada vitória.
Do oito na camisola a um oitenta na rotina diária
Voleibol - Quem acompanha as manchetes, blocos e toda a pluralidade de movimentos técnicos do voleibol português, certamente conhece Vanessa Rodrigues. Aos 32 anos, a distribuidora, que é dona da braçadeira de capitã no AVC Famalicão e na seleção nacional, coleciona triunfos. No entanto, é fora dos pavilhões que tem usado, a 100%, o espírito de liderança. Tendo como áreas de intervenção a Póvoa de Varzim e Vila do Conde, Vanessa esteve na linha da frente nos primeiros planos de contingência do ataque à Covid-19.
Agora, que a epidemia deu lugar a pandemia, a missão continua: "Como médica de saúde pública, as minhas funções passam pela gestão dos contactos de risco, identificação, isolamento profilático e vigilância. Há muito que não sei o que é um fim de semana livre", confessou ao JN nos poucos segundos de tempo livre que tem.
A voz dá sinais de cansaço. Vanessa tem trabalhado uma média de 12 horas por dia. A isto, junta a impossibilidade de estar com os pais. De lhes dar um beijo ou um abraço apertado. E por muito que custe, são restrições essenciais. "Todo este processo pelo qual a sociedade está a passar é uma aprendizagem. Estamos a sofrer juntos e a lutar juntos. Somos uma equipa, e como em qualquer competição, jogamos para ganhar".
Ajudar em casa com os meios disponíveis
Hóquei em patins - Num ápice, muita coisa mudou. Se há um ano João Souto dividia o tempo entre as consultas no Hospital de Santarém e os jogos no Turquel, agora, a rotina é totalmente distinta. Antes da suspensão do campeonato, a época corria de feição no Sporting. Com 13 golos, a Taça Continental "no bolso" e dedicado 100% ao hóquei em patins, João vinha a corresponder da melhor forma à aposta dos leões. Mas um "coronavírus qualquer" decidiu colocar tudo em suspenso. "Estava a crescer como jogador. Esta situação quebra as rotinas de quem pratica desporto de forma profissional", conta ao JN.
Fânzeres, Gondomar, no distrito do Porto, é a nova morada. Mais concretamente, a casa dos pais. É daí, no "eterno porto de abrigo", que João está a cumprir a parte dele na batalha ao coronavírus. "Estou em isolamento social, a fazer o que me compete. Tendo em conta a minha fase da formação, ainda não posso ajudar totalmente. Mesmo assim, se entenderem que sou uma mais-valia, estou disponível. No terreno, ou na retaguarda". Afinal, foi o sentido de cooperação o motivo de tudo. "Segui medicina porque quero ajudar os outros. Falo diariamente com colegas e amigos e passo sempre boas energias". Dialetos virtuais, que em tempo de isolamento, ajudam a elevar o ânimo, a quem luta no terreno.
Reinventar métodos numa luta que é de todos
Basquetebol - Com a primeira divisão de basquetebol parada é hora de reinventar métodos de trabalho. Sentado à secretária, na USS Quinta do Conde, em Sesimbra, Diogo Correia tem muito trabalho pela frente. O base do Galitos Barreiro - que também já representou o F. C. Porto e o Algés -, é um dos "senhores doutores" que, nas últimas semanas, tem ocupado uma posição fixa na linha da frente do combate à Covid-19.
"Neste momento estou 100% dedicado à medicina. Ainda estamos no início da curva e vai demorar até tudo voltar ao normal. Temos de ser pacientes e cumprir com as recomendações da Direção-Geral da Saúde", começou por dizer, ao JN. As consultas cara a cara deram lugar ao teletrabalho. E aos telefonemas, e-mails e sms com receitas. Um quebra-cabeças difícil de resolver para grande parte da população idosa, mas que segundo Diogo está a superar as expetativas. "Por vezes é confuso. Em alguns casos tenho de explicar duas e três vezes. Mas isso são pormenores. Por muito que seja difícil, é essencial que as pessoas permaneçam em casa. Só assim conseguiremos vencer esta batalha e regressar à rotina a que estávamos habituados". Até lá, Diogo Correia continua a lançar triplos no Serviço Nacional de Saúde, no "jogo pela vida", que é de todos, e ainda vai a meio.
A ansiedade da espera e a vontade de entrar em campo
Andebol - A bola já não voa de mão em mão. Os pavilhões estão vazios. E o grito de equipa, entoado de forma cúmplice e unida antes de cada jogo, deixou de se fazer ouvir.
Habituado desde criança a sentir este tipo de emoções, Belmiro Alves, do Águas Santas, tem ultrapassado, dentro do possível, as alterações (forçadas) na rotina, que a Covid-19 impôs. "Os dias são passados entre o estudo e o exercício individual. Vivemos uma fase em que até o mais sábio se revela leigo. E quanto às expectativas desportivas, estão como um barco sem rumo. É fácil manter a forma física. Mas a forma desportiva já é outra conversa", contou ao JN. A incerteza tem aumentado, em paralelo com a ansiedade. Caminham praticamente de mãos dadas. E é em casa, num conforto que por estes dias se tornou desconfortante, que Belmiro espera autorização para avançar: "Respondi ao apelo da Ordem dos Médicos. É provável que me chamem para ajudar no hospital de campanha que está a ser construído no Pavilhão Rosa Mota".
Até que o telemóvel toque, ou o e-mail dê sinais de vida, Belmiro vai continuar a cumprir a parte dele. Em isolamento social, longe da paixão que tantas alegrias lhe deu, mas que teve de ser colocada de lado em prol de um futuro melhor para todos.