Siya Kolisi superou infância trágica para ser o primeiro jogador negro a capitanear a seleção de râguebi em jogos oficiais.
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Em 1995, parecia que a África do Sul estava no bom caminho para exorcizar o racismo. À boleia do râguebi, Nélson Mandela conseguiu unir um povo dividido e auto-destrutivo pelo Apartheid e a vitória nesse Campeonato do Mundo parecia dar mais pujança a uma luta de tempos quase imemoriais. Por essa altura, Siya Kolisi tinha quatro anos, passava fome, e estava longe de saber que, mais de duas décadas depois, seria um símbolo desse filme a preto e branco.
Nos 127 anos de história, a seleção sul-africana de râguebi só teve capitães brancos e no tal Mundial que prometia minimizar os problemas dermatológicos da nação só um jogador (Chester Williams) não era caucasiano, o que, para dizer o menos, é estranho, tendo em conta que a maioria da população do país é de raça negra: o râguebi era a melhor metáfora de uma África de Sul desunida pela cor da pele. E se, em 1995, houve quem prometesse o racismo à insignificância, há que recuperar Mark Twain e dizer que esses relatos foram manifestamente exagerados.
Por isso é que a notícia de que Siya Kolisi vai capitanear os "springboks" nos próximos três jogos oficiais da seleção é todo um acontecimento e, volta a pensar-se, um momento capaz de marcar um antes e um depois na África do Sul. Também porque o novo capitão é um exemplo perfeito de como os antagonismos raciais podem ser superados e de como a pobreza não tem necessariamente de ser um fim em si mesma.
Episódios racistas na vida Siya Kolisi é a dar com um pau, como também abundam as desgraças que tinham tudo para o deitar abaixo. A mãe e a família materna não quiseram saber dele, o pai emigrou e foi a avó paterna, enterrada na pobreza extrema, a criá-lo. Faltou-lhe comida, passou dias consecutivos com o estômago vazio ou enganado com a solidariedade dos vizinhos e até os estudos levaram um rombo quando não teve alternativa em deixar a escola para cuidar da tutora, mais do que doente. Morreu-lhe a avó e uma tia, a segunda mãe, ainda ele era um adolescente.
Após tantas, demasiadas, provações, Siya Kolisi, 27 anos, emerge como a tão necessária rutura com o passado sul-africano. É que o filme da vida não tem, nem deve ser só a preto e branco.