<p>Os ingleses sentem calafrios ao ouvir falar de tal eurodeputada. Tanto o anterior ministro das Relações Laborais, o trabalhista Anthony Young, como o seu sucessor, o conservador Ian Duncan Smith, são disso exemplo. Ambos apontam-lhe a autoria da proposta que penalizará o orçamento britânico: licença de maternidade de 20 semanas pagas a 100%.</p>
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Mais a Norte, as feministas suecas consideram o documento discriminatório, assente num binarismo sexual, e que afasta as mulheres do mercado laboral. Na Alemanha, onde Angela Merkel tem como objectivo o equilíbrio das contas públicas, o seu nome é motivo para preocupação. No pequeno arquipélago de Malta idem.
Aliás, até nos Estados Unidos da América, onde a intervenção estatal é encarada com desconfiança e os países europeus são vistos como "nanny states" (estados - mamã), os jornais questionam: quem é esta mulher do Partido Socialista que pretende entrar na vida privada dos cidadãos?
Edite Estrela, o seu nome. Motivo para tal receio? O Parlamento Europeu prepara-se para aprovar - assim tudo indica - o "Relatório Estrela", que consiste no alargamento para 20 semanas do prazo da licença de maternidade e de duas semanas de licença de paternidade, ambas pagas a 100%, em todos os Estados-membros.
Há seis anos em Bruxelas, Edite Estrela quer corrigir uma directiva europeia em vigor desde 1992 - que estabelecia a licença de maternidade em 14 semanas -, indo mais longe que as 18 da actual proposta de revisão da Comissão Europeia.
Os homens também não foram esquecidos. A portuguesa pretende que países como a Alemanha, a Itália ou a Irlanda passem a contar com algo que já existe em Portugal: a possibilidade de ficarem em casa duas semanas com o salário integral.
Filhos de uma Europa menor
Até ao final deste mês estará concluído o estudo de impacte financeiro do relatório junto de alguns dos 27 Estados-membros, principalmente naqueles que mais se mostram desconfiados com a proposta de Edite Estrela, entre eles a Alemanha, Reino Unido, Suécia, Bélgica, França ou a Polónia. Esta foi uma das possibilidades para a eurodeputada socialista poder provar que os benefícios do alargamento das licenças de maternidade e paternidade são superiores aos custos nas finanças públicas.
Grande parte do trabalho já está concretizado, tendo em conta que repescou a análise que a Comissão Europeia já tinha realizado para a sua proposta de 18 semanas. Segundo Estrela, algumas conclusões preliminares à proposta apontam para uma igualdade de mulheres e homens em casal e no local de trabalho, saúde e desenvolvimento da criança, a saúde dos próprios pais e o inevitável aumento da taxa de natalidade.
E, quando o controlo do défice nas contas públicas é palavra de ordem na União Europeia (UE), Edite Estrela esclarece, ao JN, qual o impacto de tal medida: "Estima-se que não irá além dos 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em cada Estado". Em relação às duas semanas de licença de paternidade, o custo não ultrapassará os 0,01%.
"Não tenho propostas para tempo de crise. Mal da Europa, do Reino Unido ou Portugal se, quando entrar em vigor esta directiva, ainda estejamos em crise. Isto é um processo que ainda vai levar algum tempo. E, depois, há três anos para ser transposta para a legislação nacional. Por isso, só dentro de quatro a cinco anos é que entrará em vigor", explica. "Se, lá, ainda continuarmos em crise, pobre da Europa", reforça, perante as críticas que os ingleses lhe apontam.
A pressão do "Relatório Estrela" só é perceptível quando se olha o múltiplo cenário das licenças de maternidade e paternidade na UE. Primeira realidade a ter conta: os Estados-membros permitem às mães ficar em casa entre 14 a 52 semanas facultativas, dependendo do país, e auferir de 55 a 100% do salário mensal. Mas quantos têm 20 semanas obrigatórias e pagas a 100%? Nenhum. E poucos chegam às 10 obrigatórias, sendo que só a Itália, Eslováquia, Bulgária e Grécia ultrapassam esta fasquia.
Segunda premissa a ter em conta: os homens poderem ficar ao lado dos filhos após o nascimento é algo inconcebível em seis países, entre eles a grande contribuinte Alemanha ou a católica Irlanda. Porém, é aqui que surgem logo as principais reacções negativas, porque se uns em nada contemplam o peso masculino no acompanhamento do recém-nascido, outros são extremamente pioneiros, como a Suécia (com 60 dias) ou a Eslovénia (90).
Com a transposição da directiva [lei europeia], todos os 27 Estados terão as duas semanas. Isto é, quem não tem licença de paternidade passa a ter; quem a tem, até em tempo superior, só tem de a actualizar. Ora, se nos países mediterrânicos um pai que fica em casa com o filho é considerado um mau trabalhador, nos países nórdicos esse mesmo pai é sempre olhado como um cidadão exemplar. Resuma-se: o relatório começa logo por colidir com a forma de estar de cada país.
M as Edite Estrela defende que é a actual directiva que já não responde aos problemas da UE, como a "baixa natalidade". "O que existe, além de não desenvolver a igualdade de género, porque manda a mulher para casa durante muito tempo, desvalorizando-a enquanto trabalhadora, é uma perspectiva que encara a mulher como reprodutora. É uma perspectiva produtiva", considera.
"Há 18 anos que temos a mesma directiva. Desactualizada. Já não satisfaz as necessidades das pessoas. A legislação que se está a preparar é para durar mais uns 18 ou 20 anos. Tem de se ter alguma ambição de futuro", faz questão de sublinhar, ao JN, várias vezes.
O primeiro embate, a votação em comissão especializada - a da Igualdade de Género -, Edite Estrela já ultrapassou, com 19 votos a favor, cinco contra e oito abstenções. Todavia, teve de deixar cair algumas das propostas relativamente à licença de maternidade, que respondiam aos novos modelos familiares, como os casais de pessoas do mesmo sexo. "Cheguei a incluir as lésbicas no meu relatório. Mas só tinha o apoio dos Verdes e da Esquerda. Os Liberais são importantes e precisava dos votos para passar, porque já sabia que o PPE [Partido Popular Europeu] não estava de acordo. O parlamento está muito mais conservador. Tive de negociar", lamenta.
Das 20 semanas propostas, seis terão de ser gozadas após o parto. De acordo com o documento, as entidades empregadoras não só estão impedidas de despedir as parturientes até seis meses após o termo da licença, como têm de aceitar - desde que justificada - a adaptação do horário de trabalho. O "Relatório Estrela" dispensa ainda as mulheres do período laboral nocturno, num espaço de tempo que pode ir das 10 semanas antes do parto até aos 12 meses de idade da criança.
É noutras questões que Estrela se destaca, relativamente àquilo que a Comissão liderada por Durão Barroso é omissa: a inclusão das trabalhadoras domésticas, excluídas da directiva de 1992; os casais que adoptem crianças com menos de 12 meses também usufruem de tais licenças; e - aquela que, inspirada na legislação portuguesa, coloca as feministas suecas com a 'cabeça à roda' - duas pausas diárias de uma hora para a amamentação.
Na Suécia receia-se a estigmatização social da mulher que não queira amamentar e o seu afastamento do mercado de trabalho. Em Malta questiona-se a necessidade da mudança de uma lei que, ainda recentemente, passou a prever as 13 semanas para a mãe e dois dias para o pai. No Reino Unido, onde existem 52 semanas, das quais apenas as primeiras seis são pagas a 90% e as restantes só usufruem de um subsídio de 150 euros semanais, faz-se contas ao impacto das alterações. Lá, onde as empresas assumem os pagamentos, o receio está nos valores que estas mesmas possam exigir ao Governo conservador-liberal de David Cameron.
"Porque é que eles não concordam? [ingleses]. Porque é completamente diferente aquilo que defendemos. Penalizador para as mulheres trabalhadoras é o que existe no Reino Unido, onde uma longa licença de maternidade as afasta do mercado de trabalho e dificulta o seu regresso. Trata-se de uma longa licença, com um pagamento apenas simbólico", contrapõe Edite Estrela.
Esta semana entrou em vigor a directiva que estende às trabalhadoras independentes a licença de maternidade, com o pagamento pela Segurança Social de cada Estado-membro de um mínimo de 14 semanas [as mesmas que a lei de 1992 permite às trabalhadoras por conta de outrem]. Certo é que, perante o cenário provocado pelo "Relatório Estrela" e à falta de uma proposta ainda mais arrojada, o Parlamento Europeu terá de optar, em Setembro, entre a continuidade da enorme disparidade na forma como se encara a família nos 27 ou ratificá-lo, ditando com esse gesto que os recém-nascidos não são mais filhos de uma Europa menor.