Já lá vão 36 anos e meio e ainda repercutia nas ruas o pregão anunciador de que "o povo unido jamais será vencido". Foi com essa música de fundo que entrevistei Francisco Sá Carneiro, que tanto se destacara na luta travada para pôr cobro ao salazarismo-marcelismo, até então reinante.
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Tratou-se do primeiro depoimento concedido a um jornal, após o "25 de Abril", por essa personalidade que, integrada na Ala Liberal, remou contra a maré nas águas de uma Assembleia Nacional dominada pelos ultras. Guardo na memória a forma empolgada como Sá Carneiro exaltou a notável acção do Movimento das Forças Armadas, que deitou por terra o regime opressor e a sua abertura a um convite para integrar um Executivo ainda em formação, tendo em vista alicerçar um país novo, humano e justo e não só para alguns... Nas suas declarações ficou por demais evidente o perfil de um cidadão para quem a ética era um dogma, avesso a tergiversações e empenhado em não se deixar envolver em jogos de poder com regras menos claras. Como de resto, como notável tribuno, deixara bem expresso, em pleno Parlamento salazarista, provocando fífias e destoando do coro governamental.
O seu exemplar modo de estar, impeliram-no a enfrentar tanto os desafios políticos como os de natureza privada, nomeadamente os ataques soezes com que invertebrados fomentadores da chicana tentaram invadir a sua vida pessoal. A sua verticalidade chegou a colocá-lo em rota de colisão com "barões" partidários na sequência de uma controvérsia intestina suscitada pelo apoio, ou não, à candidatura presidencial de Ramalho Eanes, daí resultando um cisma que motivou a auto-exclusão de Sá Carneiro da chefia do PPD/PSD, a que posteriormente regressou. Curiosamente, hoje há quem procure branquear posições então assumidas e se coloque em bicos de pés para evocar e invocar o fundador e figura maior do seu partido.
O rememorar daquela entrevista faz-me também lembrar a frustração que senti três dias depois da sua publicação, em 3 de Maio de 1974, pelo JN. É que, em 6 de Maio desse ano, Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão e Joaquim Magalhães Moita anunciavam a fundação do Partido Popular Democrático, um facto, uma cacha, que praticamente tive à mão sem que disso me apercebesse porque o meu interlocutor não colaborou na necessária fuga de informação. Enfim, outros tempos...