<p>Advogado de formação e profissão, Allan J. Katz foi nomeado embaixador dos EUA em Portugal em Novembro de 2009, por Barack Obama, em cuja campanha participou activamente enquanto membro da Comissão Nacional de Finanças e co-autor do programa apresentado na Convenção do Partido Democrata. Formal, lacónico e muitas vezes evasivo, o embaixador norte-americano falou com o JN durante a sua visita ao Norte do país a que chegou em Abril. </p>
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Bob Woodwad, em Obama's Wars, diz que há dissensões no Executivo de Barack Obama em relação à estratégia para o Afeganistão - aumentar o nível de tropas para depois começar a retirada em 2011. Esta guerra pode ser ganha?
Desde que Obama assumiu a Administração, a estratégia clara no Afeganistão é fazer a transição das tropas aliadas para as afegãs. Para tal, há que instruir forças militares e policiais locais - o Governo afegão deve ser capaz de proteger os seus cidadãos - e, para isso, contamos com aliados como Portugal para avançar para o período de transição. Porque ninguém acredita que possamos sustentar uma guerra ao nível actual por um período indefinido; por outro lado, seria inaceitável deixarmos que o Afeganistão voltasse a ser um Estado terrorista como já foi.
Estando os EUA a patrocinar negociações directas com gente corrupta, como os senhores da guerra e os próprios talibãs, quais serão os custos políticos, e morais, de uma eventual vitória?
Todos os países têm de ser abordados conforme a situação em que se encontram. O facto é que tivemos 3 ou 4 milhões de afegãos a votar em eleições, por mais imperfeitas que possam ter sido. Se há dez anos alguém dissesse que o Governo afegão seria eleito, não acharia possível. Portanto, temos de medir os progressos a partir do ponto em que o país se encontrava. Claro que a situação é muito difícil e não há soluções particularmente boas, e ninguém dá o êxito por garantido.
O presidente Obama agendou a retirada das tropas dos EUA enquanto a NATO solicita mais tropas. Como se pode pedir solidariedade enquanto se retira?
O que o presidente dos EUA disse foi que, por altura de Julho de 2011, iniciaremos a retirada de algumas das tropas. Depois, a maior parte do fardo está a ser suportado pelos EUA - portanto, não estamos a pedir nada que não estejamos prontos a fazer também. Por outro lado, julgo que se a estratégia para a retirada - isto é, descer o nível de tropas de combate que lá temos -, funcionar com os instrutores que estamos a pedir, poderemos entrar no período de transição. Mas os factos no terreno terão, obviamente, impacto no ritmo da retirada do Afeganistão.
Os EUA vão solicitar a Portugal o envio de mais tropas?
O que vamos pedir ao Governo português é que envie mais instrutores, e não mais tropas de combate. Mas repito: o ponto nuclear, que é na verdade a política de todos os aliados, é que se conseguirmos instruir afegãos suficientes, tanto soldados como polícias, o nosso papel ali diminuirá drasticamente.
Se a guerra do Afeganistão for perdida, que danos resultarão para a imagem dos EUA e da própria NATO enquanto organização?
A situação no Afeganistão é séria e há uma hipótese de êxito que não descreveria como vitória porque, por vezes, olhamos para as coisas de forma errada. Julgo que haverá um compromisso de longo prazo com os aliados para um Afeganistão sustentável, o que significa que o Governo de Cabul consegue evitar que o país se torne num Estado terrorista.
Israel continua a ignorar os esforços de Washington para alcançar um acordo mínimo entre Telavive e a Autoridade Palestiniana. Por que é que os EUA parecem sempre tão relutantes em exercer maior pressão sobre um país ocupante que tem minado os seus esforços?
Israel é o maior aliado democrático dos EUA no Médio Oriente desde há muito e, se for a Israel e ler os jornais locais acerca da sua posição em relação ao Governo dos EUA, eles dizem que Washington tem sido bastante duro em relação a Israel. Portanto, a perspectiva depende sempre do lado em que se está sentado à mesa. A Administração Obama tem tentado manter a pressão sobre os dois lados porque qualquer forma de paz entre o Governo de Israel e a Autoridade Palestiniana é muito significativa, não só para eles, mas também para o resto do Mundo.
A solução dos dois Estados é viável?
Não só é viável, como é a única solução possível. Mas se fosse simples, já teria sido adoptada há muito. Não é.
Um dos maiores riscos no Médio Oriente, actualmente, são as ambições nucleares do Irão. As sanções têm tido resultados?
Para que as sanções tenham resultado, terão de impor algum sofrimento, e há provas claras de que os iranianos não estão confortáveis com elas. Portanto, têm tido algum efeito, mas talvez não aquele que todos esperávamos, que seria trazer o Irão para o seio da comunidade de nações com um comportamento de respeito que permita um Mundo pacífico. Mas o capítulo final ainda não começou a ser escrito. Teremos de esperar para ver, mas gostaríamos que o epílogo fosse pacífico.
Mas poderá não ser, com Israel a ensaiar um ataque preventivo como fez no Iraque em 1981. Os EUA estariam em condições de apoiar Israel nestas circunstâncias?
A questão é hipotética. Uma das razões que levam os EUA a trabalhar arduamente para uma solução que envolva o Irão é manter afastado o patamar em que Israel acredite que a sua existência está ameaçada. E poderíamos argumentar que um cenário ainda pior seria um ataque preventivo do Irão a Israel... E importa reconhecer que há uma narrativa que está a ser projectada pelo Irão que, basicamente, visa retirar legitimidade ao Estado de Israel, como a negação do Holocausto pelo presidente do Irão. É uma estratégia horrorosa. Portanto, a situação é potencialmente volátil, e é por isso que trabalhamosa para que palestinianos e israelitas cheguem a acordo e, ao mesmo tempo, para que o Mundo mantenha a pressão sobre o Irão, demonstrando-lhe que não pode ser uma ameaça para Israel.
Na Cimeira de Lisboa, em Novembro, será debatida a reorganização dos comandos da NATO. A importância geoestratégica de Portigal não recomenda a manutenção do comando de Oeiras?
Nenhuma decisão será tomada em função da geografia. Neste momento, todas as instalações da NATO estão em discussão - algumas serão consolidadas e outras reformuladas em função de um olhar sobre as novas ameaças, o qual será necessariamente diferente daquele que houve no passado. África é claramente parte dessa estratégia. Portanto, eu não concluiria já que não haverá um comando em Portugal, é demasiado prematuro.
E os Açores? Com a cada vez maior autonomia das aeronaves, que vai acontecer ao porta-aviões do Atlântico, nas Lajes?
A base das Lajes continua a ser parte importante da nossa abordagem estratégica global, principalmente tendo em conta o Afeganistão, em relação ao qual as Lajes conferem maior flexibilidade. É certo que conseguimos voar [dos EUA ao Afeganistão] sem paragens, mas se reabastecermos nos Açores conseguiremos ir muito mais longe. Já falamos com os portugueses e julgamos que as Lajes poderão constituir uma base de treino para apoiar missões da NATO, por exemplo. Os Açores continuam a ser muito importantes e não concebo os EUA a deixarem as Lajes.
Mas podemos conceber uma redução no nível de homens adstritos à base?
É prematuro especular sobre isso. Mais uma vez, depende dos progressos que ocorram no Afeganistão.