Alemães e luso-alemães que vivem em Portugal estranham a indignação em torno da vista de Angela Merkel, vincando que a chanceler não é responsável pelas décadas de "desgoverno" que originaram a atual situação económica portuguesa.
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Na véspera da chegada da chefe do governo germânico a Portugal, vários cidadãos alemães e luso-alemães afirmam-se "surpreendidos" com a onda de indignação e protesto que a visita oficial de Angela Merkel está a gerar num país que se tornou também a sua casa.
Contudo, as pessoas contactadas pela agência Lusa dizem compreender as razões de "descontentamento" e "desespero" dos portugueses em relação às medidas de austeridade e a difícil situação social e económica que o país atravessa.
Alguns tecem duras críticas às decisões "ineficazes" ou mesmo "insustentáveis" que têm sido tomadas a nível comunitário e consideram que a atuação da chanceler não tem sido a melhor na resolução da crise depois de 2011.
Porém, a grande maioria atribui a situação portuguesa ao "desgoverno" e ao "esbanjamento de dinheiros públicos", ao longo das últimas décadas, pela classe política e económica.
"Sou contra esta 'austeridade a tudo custo'. É uma receita cega que, em Portugal, só está a piorar as coisas. Mas daí a culpar exclusivamente a Alemanha ou os alemães pela situação a que isto chegou é, no mínimo, ridículo", afirmou uma professora luso-alemã de 32 anos, que pediu para não ser identificada.
Luís Ehlert, filho de pai alemão e mãe portuguesa, também considera que "fazer da Merkel o bode expiatório para todos os disparates cometidos em Portugal não resolve absolutamente nada".
Este luso-alemão de 51 anos lamenta "toda a polémica", quando a visita da chanceler deveria ser encarada com um "gesto de reconhecimento pelas medidas difíceis que Portugal está a implementar" e de "apoio à difícil situação económica do país".
Ehlert, sócio de uma consultora de investimento estrangeiro em Portugal, realça que a visita da chanceler quer também apresentar Portugal como um "país interessante, capaz de atrair investimento alemão".
"Não estamos sempre a falar da necessidade de relançar a economia, da importância do investimento estrangeiro? Ora, a visita de Merkel, que traz consigo uma comitiva de empresários, é uma ótima oportunidade para isso", vincou.
Outro cidadão germânico, que durante duas décadas deu aulas numa universidade pública em Lisboa, considera que "não há volta a dar" ao processo de consolidação orçamental que o Governo está a levar a cabo. "É muito doloroso, mas não deixa de ser necessário", afirma.
Aponta o sistema de reforma português, do qual ele próprio é beneficiário, como uma das muitas situações inconcebíveis. "Descontei vinte anos na Alemanha e vinte anos em Portugal mais ou menos a mesma coisa. A reforma que recebo cá é, no entanto, quase o dobro", exemplifica.
Já um ex-gestor de uma multinacional farmacêutica diz-se chocado com a "excessiva carga fiscal" que os portugueses com menor rendimento são obrigados a pagar. A viver em Portugal desde 1988, reconhece que a União Europeia "tem culpa no cartório" e defende que Portugal precisa urgentemente de um "pacote de crescimento".