Muitos portugueses só conseguiram emprego precário e 171 mil emigraram desde 2011.
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A taxa de desemprego relativa a 2019 deverá ser de 6,4%, segundo a previsão do Governo. Será o valor mais baixo desde 2003 (6,3%). Aquele indicador caiu de 12,4%, em 2015, para cerca de metade este ano. A confirmar-se a previsão para 2020 (6,1%), a tendência será mantida. Entre os três primeiros trimestres de 2015 e o mesmo período de 2019, foram criados 371 mil empregos e há menos 316 mil desempregados. O JN conta-lhe duas histórias de quem voltou ao trabalho em 2019 (ver em baixo).
Mais emprego não significa trabalho de qualidade. Um dos primeiros alertas surgiu em abril pela OCDE: Portugal é o quarto país com o maior crescimento de contratos precários e onde as hipóteses dos jovens bem qualificados terem um bom salário mais encolheram entre 2007 e 2016.
Os precários ainda são um quinto dos empregados, nove anos após a chegada da troika a Portugal. Ou seja, nada de fundamental foi alterado em termos qualitativos, sobretudo para os jovens entre os 15 e os 34 anos.
E a precariedade não é uma opção voluntária. A Comissão Europeia revelou em julho que mais de 80% dos contratados a termo preferiam ter vínculos laborais mais estáveis, mas tiveram de aceitar o emprego por falta de alternativa.
Segundo o INE, desde 2011 a população ativa com menos de 35 anos em Portugal perdeu 329 mil jovens, sendo que mais de 171 mil saíram do país à procura de melhores condições e vida.
"Foi um ano em grande: fui mãe e tive logo emprego"
Quando o telefone tocou no início deste ano, depois de trocar alianças e ser mãe, Raquel Barbosa não queria acreditar. "Desatei a chorar. Ia começar a entregar o currículo em fábricas porque percebi que um canudo não é tudo". Tem 28 anos, é licenciada em Gestão de Empresas e conseguiu emprego na sua área em 2019, depois de dois anos à deriva. Hoje, está a trabalhar no que sempre sonhou: recursos humanos.
Em 2015, Raquel acabou o curso de Gestão de Empresas cheia de sonhos. Curiosamente, tinha feito estágio curricular na Adecco, empresa de S. João da Madeira que lhe viria a oferecer emprego. "Quando saí da universidade, ainda trabalhei em dois gabinetes de contabilidade", conta. Até 2017, ano em que ficou no desemprego. Uma fase que durou muito mais do que esperava. Decidiu não adiar mais o seu casamento por uma estabilidade que teimava em não chegar. "Continuava à procura de trabalho, mas aí as empresas rejeitavam-me porque me ia casar".
Ainda antes de subir ao altar, em 2018, Raquel descobriu que estava grávida.
"Não foi fácil. Pensei que se não tinha arranjado trabalho até então, sendo mãe seria ainda mais difícil. Estava muito frustrada". Mas o telefone tocou quando ela menos esperava, tinha a filha quatro meses, em março deste ano.
"A Adecco lembrou-se de mim por ter estagiado lá. Não queria acreditar. Procurei tanto e quando parei parece que isto me caiu no colo. Disse que tinha acabado de ser mãe, mas eles não se importaram". Raquel não olhou para trás e procurou logo infantário para a filha. "Ofereceram-me contrato sem termo e ainda tive a sorte de a empresa me deixar gozar o horário de amamentação".
A adaptação foi fácil, por já conhecer a empresa. É administrativa de recursos humanos, "o que sempre quis". E até já sonha comprar casa. "Tudo mudou. Agora estamos a viver com a minha mãe, mas já pensamos numa casa". Se olhar para trás, 2019 "foi um ano em grande". "Acabei de ser mãe e tenho trabalho".
"Há trabalho, mas não há qualidade de vida"
Se existe algo que nunca assustou Horácio Moutinho é o trabalho. E, enquanto não consegue emprego na área de formação, que é Jornalismo - com uma classificação de quase 20 valores no estágio feito em 2017, numa estação de televisão, sonha, apenas, com "uma oportunidade" - empenha-se no trabalho de administrativo que conseguiu em agosto passado, na urgência de um hospital privado de Matosinhos.
Depois de um emprego num hostel do Porto e após dois meses de baixa devido a uma lesão num joelho, Horácio, que começou a trabalhar com apenas 17 anos, voltou a pesquisar anúncios. "Tentei arranjar emprego na minha área e, mais uma vez, não encontrei... Tentei ver outros em que me sentisse à vontade, e procurei para administrativo". Aí, tudo se tornou mais fácil, e o candidato de 24 anos teve, até, a possibilidade de optar entre a vaga no hospital e outra numa empresa transportadora.
"Estive uma semana e tal à procura. Não foi muito tempo", reconhece, constatando que, "agora, é mais fácil arranjar emprego; há mais oportunidades". Mas existe o reverso da medalha: "A taxa de emprego aumentou, sim, mas, em boa parte, com empregos precários, em que os contratos são renovados de três em três ou de seis em seis meses e os salários contados ao cêntimo". Numa análise geral, Horácio Moutinho alerta também para a "exigência a mais da parte das entidades" empregadoras, que "pedem anos de experiência, e quem acaba um curso nunca vai tê-los". Além de que "ainda há pessoas a ganhar 500 e tal euros".
Com um contrato a termo, o administrativo aufere um pouco mais do que o salário mínimo, mas, mesmo assim, "é um ordenado de sobrevivência", assume. "Há trabalho, mas não há qualidade de vida", observa. "É viver a prazo, na corda bamba. Nunca se sabe o que vai ser: a corda pode rebentar ou não". Em contrapartida, a estreia como administrativo "tem corrido superbem": "Tenho colegas e superiores que são muito prestáveis e que ajudam".