Com preço dos alimentos a subir, CAP exige apoio de Bruxelas na compra de milho como fez com as vacinas
Perante o aumento dos preços da energia e do gasóleo com a guerra da Rússia na Ucrânia, países exportadores de fertilizantes e milho, a Confederação dos Agricultores de Portugal diz que há "stocks" para alimentar os animais durante um mês, mas exige medidas imediatas da Comissão Europeia, tal como aconteceu na aquisição das vacinas contra a covid-19. O Ministério da Agricultura emitiu uma nota a sublinhar que "não há, à data, qualquer motivo que faça antever a possibilidade de escassez de alimentos", mas reconhece que os preços estão a subir.
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Os operadores de panificação já alertaram para o inevitável aumento do preço do pão, os produtores de leite reclamaram "medidas urgentes" para atualizar o preço pago à produção e alguns supermercados já estão a racionar a venda de óleo de girassol. Esta sexta-feira, a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) admite que, daqui a um mês, podem faltar rações para os animais, caso a Comissão Europeia (CE) não tome medidas já.
"Não vale a pena as pessoas irem a correr para os supermercados, é completamente descabido, porque não se admite que na Europa vá haver essa falta de produtos", afirma Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), quando questionado pelo JN sobre uma eventual carência e racionamento de produtos para os consumidores portugueses, no âmbito da guerra da Rússia na Ucrânia.
"Há um problema que é o aprovisionamento de milho para as rações dos animais. Temos um stock para três semanas, no máximo um mês. As galinhas, os porcos, os perus, as vacas - que depois inclui o leite, a manteiga, o queijo - todos os dias têm de comer e comem ração", explica.
"Nós só produzimos 35% do milho que consumimos, os outros 65% são importados e, destes 65%, 40% vinham da Ucrânia. Agora não vem. Quem tem milho para vender é a América do Sul e os Estados Unidos" e isso, salienta Luís Mira, causa mais um problema, neste caso, de logística. "Enquanto um barco da Ucrânia demorava oito ou nove dias a chegar, um barco da América demora entre 25 e 35 dias".
Comissão Europeia devia fazer uma compra conjunta para a UE para que o preço não subisse tanto e disponibilizar esse milho para países como Portugal
Acresce o facto de que "a Europa exige um limite mínimo de resíduos ou milho não OGM (Organismo Geneticamente Modificados), situações que nestas circunstâncias não podem ser garantidas". Assim, a CAP defende que "a Comissão Europeia tem que, em circunstâncias excecionais e temporariamente, esquecer essas regras."
Por outro lado, "o Estado não pode intervir no mercado mas a Comissão pode e deve fazê-lo. Fez isso para a compra das vacinas contra a covid-19 e devia de o fazer para a compra do milho", aponta Luís Mira. Isto é, "fazer uma compra conjunta para a UE para que o preço não subisse tanto e disponibilizar esse milho para países como Portugal que tem deficiência nesse produto."
"As regras e as condições que estamos a viver são condições de guerra, por isso, as decisões também têm de ser de acordo com as circunstâncias de instabilidade total neste momento", reitera.
Além de tudo isto, "estamos em seca. Não há pasto para os animais e é necessário mais rações do que o normal", o que representa uma dupla pressão para os cereais.
A previsão é o imprevisto
Questionado sobre o aumento do preço dos produtos alimentares, o secretário-geral da CAP diz que "obviamente têm que aumentar" mas não o consegue quantificar, lançando outra questão: "Temos agora uma sementeira para fazer e a colheita é em setembro. Quais vão ser os aumentos do gasóleo, da energia, dos fertilizantes - que vinham da Rússia e da Ucrânia? É impossível saber os preços destas matérias-primas daqui a um mês e meio."
"Em 2020, o preço do milho era de 160 euros a tonelada, no ano passado aumentou para 250 euros e este ano já está em 400 euros. Ontem não havia sequer cotação", revela.
"Com esta instabilidade do mercado é impossível qualquer previsão, a previsão é o imprevisto", afirma.
Na próxima segunda-feira, dia 14, a CAP tem uma reunião com a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, na qual espera conhecer as "medidas concretas do que está a ser feito".
Mas reitera calma aos consumidores. "Os consumidores fazem mal correr aos supermercados, não faz nenhum sentido, porque não se prevê que haja qualquer quebra no abastecimento normal. Estamos a falar na alimentação dos animais e de um problema que pode surgir daqui a três semanas a um mês".
Ministério está a monitorizar abastecimento alimentar
Esta sexta-feira, o Ministério da Agricultura emitiu uma nota de esclarecimento a sublinhar que "não há, à data, qualquer motivo que faça antever a possibilidade de escassez de alimentos".
Reconhece que atualmente "verifica-se uma tendência de aumento" do preço dos produtos alimentares "em toda a União Europeia, devido aos elevados custos das matérias primas, fertilizantes e energia" e que "esta tendência poderá ser agravada pelo atual conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia".
O Ministério tutelado por Maria do Céu Antunes acrescenta que está, "em conjunto com as outras áreas governativas, a realizar a monitorização e acompanhamento permanente relativamente ao abastecimento alimentar nacional".
Segundo a nota de esclarecimento, os operadores em Portugal "têm já contacto com outras origens alternativas (América do Sul e América do Norte)" para a aquisição de milho. "Além disso, estão também em curso operações e contactos com novos fornecedores, como é o caso da África do Sul".
"Os cereais destinados à alimentação humana, como é o caso dos trigos panificáveis, têm como principal origem de importações França, estando este circuito estável e consolidado", garante o governo.
"Estão também em avaliação, pela Comissão Europeia, outras medidas excecionais de estabilização de mercado, a extensão da medida covid no âmbito do desenvolvimento Rural (FEADER) para mitigação dos impactos ao nível dos setores mais afetados e a utilização da reserva de crise da PAC, sendo expectável que, na reunião do Conselho de Ministros da Agricultura e Pescas da União Europeia, que se realiza no dia 21 de março, sejam tomadas medidas concretas", revela a tutela.