Recusar medição da febre, incumprir horários desfasados e não usar máscara são de processo disciplinar.
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Entre o momento em que uma empresa encontra um trabalhador com temperatura anormal e a emissão de um atestado que lhe permita entrar de baixa, o salário tem que continuar a ser pago, asseguram dois especialistas em direito laboral ouvidos pelo JN. A questão levanta-se a propósito da medição da temperatura à entrada no local de trabalho pelo empregador - algo que tem sido recusado pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD).
Restaurantes e super e hipermercados estão entre os setores que têm medido a temperatura aos trabalhadores. A proposta partiu da Associação de Restaurantes Pro.Var, para "dar confiança" a trabalhadores e clientes, disse ao JN o presidente Daniel Serra. Desde o início, todavia, foi contestada pela CNPD, para quem as medições violam o regulamento de proteção de dados.
Nuno Cerejeira Namora, especialista em Direito do Trabalho reconhecido pela Ordem dos Advogados, compreende o ponto de vista da CNPD, mas vê a medição como legítima, "desde não seja feito qualquer registo" de quem é avaliado e qual o resultado. Até porque está em causa não só o direito à saúde dos restantes trabalhadores como a própria sobrevivência da empresa.
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Só se tiver uma temperatura anormal é que o trabalhador é sinalizado, proibido de entrar nas instalações e enviado para o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Se não for validada a suspeita de covid e, portanto, não for dada baixa médica, Cerejeira Namora é perentório: "A entidade empregadora tem que pagar o salário".
Monteiro Fernandes, professor de direito do trabalho, corrobora. "Se não pagar salário, está em incumprimento do contrato". É que, explica, o trabalhador apresenta-se ao trabalho e só não presta serviço por decisão da entidade patronal, "de acordo com critérios que ela própria define".
Associações concordam
Nos super e hipermercados, o critério assenta numa recomendação da Direção-Geral de Saúde, que refere o limite de 37,2 graus Celcius, disse Gonçalo Lobo Xavier, secretário-geral da associação APED. As empresas medem a temperatura à entrada - sem a registar, garante. Quem estiver acima, é remetido para a linha covid da empresa ou do SNS.
Após uma ronda por alguns associados, Lobo Xavier afirmou que os trabalhadores com temperatura anormal continuam a receber o salário, até o SNS dar resposta. A própria APED não fez recomendações aos associados, mas "revê-se" nesta política, disse.
Também a Pro.Var entende que o salário tem que ser pago, até que a empresa volte a autorizar a entrada nas instalações ou a pessoa entre de baixa. "Deve assumir o encargo, o trabalhador tem que ser o último a ser prejudicado", disse Daniel Serra, ao mesmo tempo que pede rapidez ao SNS.
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Consequências
Recusar que a empresa meça a temperatura (mesmo que não por um profissional de saúde) pode ter uma consequência, alertam Monteiro Fernandes e Cerejeira Namora: pode ser proibido de entrar nas instalações, ser alvo de processo disciplinar e perder o salário.
O mesmo acontece se não cumprir os horários redefinidos pela empresa, para desencontrar entradas, saídas e pausas, e recusar usar máscara.
Autonomia permite a cada escola decidir se mede febre
A temperatura foi medida aos alunos em algumas escolas, apesar de não ser recomendada pela Direção-Geral de Saúde (DGS) e de o Conselho das Escolas duvidar da legalidade e eficácia. "Não creio que algum aluno com febre saia de casa", disse José Eduardo Lemos. Já para Manuel Pereira a medição só pretende "dar confiança às famílias", pelo que "é legítima".
Em Lisboa, o diretor do Liceu Camões, João Jaime Pires, só o fará com orientações da DGS. Mas em Fafe, a diretora Natália Correia mediu a febre aos mais de 700 alunos, "sem registo e apenas por precaução". Até porque muitos professores têm uma idade avançada e fragilidades de saúde. O Ministério da Educação não respondeu às perguntas do JN sobre as orientações dadas às escolas ou a legitimidade da medida.