Portugal já gastou mais de 150 milhões de euros em ajustes diretos desde 12 de março, quando passou a estar em vigor o regime que desobriga as entidades públicas de pedir visto prévio ao Tribunal de Contas (TdC) para aquisições de materiais e equipamentos devido à covid-19.
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Cerca de 65% daquela despesa foi feita pela Direção-Geral da Saúde (DGS), mas desconhecem-se os contornos, já que os contratos ainda nem sequer foram publicados. O organismo liderado por Graças Freitas tinha 20 dias para expor onde empregou quase cem milhões de euros. O Governo comprometeu-se ontem a corrigir essa falha até ao fim da semana.
De acordo com os relatórios do Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC), relativos ao período de 12 de março até 5 de maio e a que o JN acedeu, a DGS está à cabeça no volume de aquisições por ajuste direto, sem lugar a concurso ou a fiscalização prévia do TdC: quase 100 milhões de euros.
Até ao dia 24 de abril, o montante chegava a 120 milhões. Mas o organismo revogou naquela data o maior contrato feito pelo Estado neste período, no valor de 19,6 milhões de euros. Tratava-se da compra à empresa FHC- Farmacêutica de equipamentos de proteção individual, celebrada a 18 de março, com entregas ao longo de nove meses. A DGS alegou que não havia sinal de que pudesse vir a receber o material.
Falta de publicação
Em relação a cerca de 70% dos 87 compras feitas pela DGS, desconhece-se o que está em causa, à falta da publicação dos procedimentos no Base, o portal da contratação pública. Só se sabe o que foi adquirido em 32 casos - dos quais 26 correspondem à aquisição de medicamentos - porque foi explicitado pelo menos o objeto de cada um deles.
A ministra da Saúde, Marta Temido, assegurou ontem que vão "figurar até ao final da semana" no Base. "Ainda não possível colocá-los a todos. Essa divulgação foi uma regra a que nos autoimpusemos. Embora seja um regime excecional, vão figurar", disse, em Matosinhos, à margem da inauguração da nova unidade de cuidados intensivos do Hospital Pedro Hispano.
Nenhum dos contratos dos 150 milhões de euros em contratos devido à covid-19 passou pelo crivo do TdC, tendo em conta que o decreto-lei de 13 de março desobrigou as entidades públicas de o fazer a partir de 12 de março [ler ao lado]. Porém, ao JN, fonte oficial da instituição adiantou que "o Tribunal de Contas está atento e vai seguir os contratos que estão a ser realizados de forma muito próxima".
Segundo a associação Transparência e Integridade Portugal (TIPT), "o regime especial veio criar problemas graves de opacidade", porque "não criou um outro regime de acompanhamento, com efeitos preventivos através da presença de auditores junto das entidades ".
"Só vamos saber o custo disto tudo depois da despesa feita e de erros cometidos", apontou, ao JN, João Paulo Batalha, líder da TIPT, exigindo ao Governo e ao Parlamento a "correção deste cenário, para não se repetir o que aconteceu com os incêndios de 2017".