Regalias incluem dia de aniversário com retribuição e pagamento de todas as taxas e renovações da carta.
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Ainda as mercadorias viajavam, maioritariamente, por comboio ou carroça e já estava no auge a profissão de motorista de pesados de passageiros. O ofício é antigo, muitos são mais velhos do que os colegas de mercadorias e até podem ganhar menos, em subsídios e abonos, mas têm o que reivindicam os grevista da última semana: um salário base maior, sobre o qual descontam para a reforma ou em caso de doença ou acidente de trabalho. "Não temos greves previstas, acabámos de fechar um acordo de revisão do Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) que está para ser publicado", anunciou Luís Venâncio, dirigente da Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (Fectrans).
O acordo firmado com a Associação Nacional de Transportes de Passageiros (Antrop) este ano vem, por exemplo, acrescentar o pagamento do dia de aniversário ao motorista, que já podia usufruir do dia como sendo falta justificada desde o acordo de 2015. Também então ficou acordado que a empresa paga todas as taxas e encargos relativos à renovação da carta do motorista, algo que os colegas de mercadorias não conseguem incluir em CCT. Quais as diferenças?
menos individualismo
Manuel Oliveira, vice-presidente do Sindicato Nacional dos Motoristas, está habituado a representar e negociar por ambos os setores e acredita que a diferença está "no espírito de solidariedade: os motoristas de mercadorias estiveram sempre cada um por si, já os de passageiros entendem a necessidade da união para atingir uma negociação favorável".
Crítico do que tem visto suceder esta semana com os motoristas de matérias perigosas, o dirigente aponta que "os sindicatos que têm negociado pelas mercadorias e pelos passageiros são os mesmos, mas os resultados são diferentes porque os trabalhadores não são iguais no espírito de união". Além disso, o acordo com a Antrop foi subscrito "por todos os sindicatos". Não há novas estruturas no setor de passageiros, "com mensagens erráticas que prejudicam os trabalhadores". "É uma vergonha um sindicato passar a mensagem de que este é o ano para negociar por haver eleições. É o mesmo que dizer que só de quatro em quatro anos vale a pena lutar", rematou.
Há 30 anos na luta, Luís Venâncio, da maior estrutura representativa de sindicatos do setor afetos à CGTP, é mais moderado no discurso, até porque a Fectrans fechou acordo, esta semana, com a Associação Nacional de Transportadores Rodoviários de Mercadorias (Antram). Mas também atribui responsabilidades aos motoristas de mercadorias por "procurarem aquele setor para trabalhar ao negro [sem descontos] para amealharem muito dinheiro e, depois, em muitos casos, regressarem ao transporte de passageiros" pelos descontos completos. Os salários base dos motoristas de passageiros podem parecer baixos, explica, mas "a maioria das transportadoras tem acordos de empresa mais favoráveis, que foram sendo negociados dentro da empresa, havendo atualizações anuais dos salários, por baixas que fossem".
salário certo
O salário do motorista de pesados inclui uma série de cláusulas, subsídios, abonos e ajudas de custo regulares, mas sobre as quais as empresas "não têm feito descontos", como denunciam os sindicatos. Os de passageiros têm menos alíneas e até os abonos de agente único (cobrador) e de falhas "estão a ser integrados na base". Para "ganhar mil euros, têm de trabalhar nas folgas". Mas dormem (quase sempre) em casa e não fazem cargas e descargas, de que se queixam os de mercadorias.
Funcionários públicos sem regalias esquecidos pelo Estado e os sindicatos
Há um grupo de algumas centenas de motoristas de pesados de passageiros que subsiste sem contrato coletivo do setor dos transportes e acaba por estar abrangido pela contratação coletiva da Função Pública. Trabalham para as autarquias (Coimbra, Barreiro, Portalegre) e queixam-se de terem sido "abandonados pelos sindicatos". Manuel Oliveira, do Sindicato Nacional dos Motoristas, não hesita em culpar os sindicatos da Função Pública, que "não souberam negociar um acordo para estes trabalhadores quando foram extintas carreiras como cobrador". No privado ou no setor empresarial do Estado, os motoristas de passageiros que efetuem venda ou controlo de bilhetes, por exemplo, têm direito a um subsídio de agente único. O Governo "já prometeu que iria resolver a injustiça, mas nada fez, tal como noutros casos".