Portugal continental perdeu 70% das vacarias nos últimos cinco anos. Os produtores nacionais recebem hoje menos pelo leite e são, agora, os mais mal pagos da Europa.
Corpo do artigo
As conclusões são do relatório da Subcomissão do Leite. Há leite em excesso, poucos iogurtes e queijo. E os portugueses estão a consumir menos. A médio/longo prazo, a aposta nos produtos de maior valor acrescentado é vista como uma das saídas. Para já, os agricultores exigem uma subida de preços que trave a "sangria" num setor, que, entre 2016 e 2021, perdeu 4218 explorações, 3711 das quais no continente.
"Houve uma redução de 90% no número de vacarias ao longo de uma década (entre 2009 e 2019) e depois [com a pandemia] ainda se agravou. Os que resistem estão endividados, revoltados e desanimados", explicou, ao JN, o secretário-geral da Aprolep-Associação dos Produtores de Leite de Portugal, Carlos Neves. No continente, em 2016, eram 5332 explorações. São agora 1621 (dados do IFAP-Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas de setembro de 2021). Fecharam as pequenas vacarias (até 30 animais) e muitas das médias (30 a 100). As maiores cresceram.
"Produzimos o mesmo leite com menos vacas [-11,8%], um terço das explorações leiteiras e a receber menos", continua Carlos Neves, lembrando que, há 14 anos, o produtor recebia "quase mais 10 cêntimos por litro produzido".
recebem 29 cêntimos por litro
Numa análise pela Europa, o cenário é "ainda mais preocupante": Portugal é, entre os 27, o que pior paga aos produtores. Em média, em 2021, foram 29 cêntimos por litro de leite, quase seis cêntimos abaixo da média da União Europeia (UE), e a verdade é que o fosso tem vindo a crescer. "Num ano, são 95 milhões de euros que não chegam aos produtores", frisa o secretário-geral da Aprolep.
Num olhar sobre o mercado, vê-se que o consumo tem vindo a descer. Cada português bebeu, em média, em 2019, menos 12 litros de leite do que em 2010 (84 litros para 72). Em contrapartida, aumenta o consumo de manteiga, de iogurtes e de queijo.
Ora, se, por um lado, produzimos leite UHT acima do que precisamos (106,4%), somos deficitários em queijos (só produzimos 65% do que consumimos) e iogurtes (52%). Resultado? O preço do leite a descer, uma balança comercial com um saldo negativo de 239 milhões de euros. A agravar a situação, diz a Aprolep, à boleia da pandemia e do aumento do preço dos combustíveis, os custos de produção não param de subir. O setor definha e desanima.
Indexar o preço aos custos
Os protestos do setor começaram há um ano. Exigiam um preço justo. Em setembro, no âmbito da PARCA (Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar), o Ministério da Agricultura criou a Subcomissão do Leite. Estão lá o Ministério, a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), a Confederação das Cooperativas Agrícolas (Confagri), a Federação das Indústrias Portuguesas Agroalimentares (FIPA) e Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), mas não a Aprolep. Protestou. De nada valeu.
O diagnóstico da situação ficou, agora, concluído. Entre as medidas a implementar, o relatório aconselha a aposta nos "produtos de maior valor acrescentado e na inovação" (queijo e iogurtes à cabeça), a "responsabilidade social da distribuição para não retirar sustentabilidade económica ao setor produtivo", a recolha de informação "detalhada e sistemática sobre preços" e a elaboração de campanhas de promoção do leite e dos produtos lácteos.
"Tudo medidas de médio/longo prazo", dizem os produtores, para quem os números demonstram "a necessidade de agir já", indexando o preço do leite aos custos de produção e aproximando-o do preço médio europeu. De outra forma, o fecho de vacarias vai continuar e, não tarda, Portugal não produzirá leite suficiente para o que consome.