Jaime Quesado, especialista em inovação, escreveu o seu primeiro texto há 40 anos, no Jornal de Notícias, quando experimentava o jornalismo. Desde então, licenciou-se em Economia e iniciou um percurso dedicado à digitalização e à competitividade das empresas e do Estado. Um livro agora publicado mostra como o país foi mudando devido às ondas de fundos europeus. Em declarações ao JN, analisa o Portugal atual e nem tudo evoluiu no melhor sentido.
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"Quando há 40 anos publiquei o meu primeiro texto no Jornal de Notícias, estaria longe de imaginar que esse seria o ponto de partida de um longo percurso de contribuição cívica", refere Jaime Quesado, logo na introdução do seu livro "Nova competitividade", obra que será apresentada esta quinta-feira em Bragança (16 horas, Brigantia-EcoPark ) já depois de ter sido debatida no Porto e Lisboa. Sinal de descentralização, tema caro ao autor. A iniciativa atravessará fronteiras, com sessões em Madrid, Paris, Bruxelas e Londres. Sinal de um país que se internacionalizou em quatro décadas.
Comparativamente ao início da aventura europeia, em 1 de janeiro de 1986, Portugal será hoje um país menos ou mais assimétrico? "Portugal é hoje um país mais assimétrico em termos de fixação de capital e talento e o fosso entre Lisboa e o resto do país aumentou de forma considerável. Temos áreas territoriais que tem feito o seu trabalho de casa - o eixo Braga-Porto-Aveiro e a zona de Leiria, entre outros -, mas a situação do interior agravou-se e, tirando casos como Bragança ou o Fundão, no resto o panorama é muito problemático. Falta investimento, pessoas, capital e uma dimensão estratégica como a que Michael Porter apontava. Precisamos de uma matriz áreas de investimento/territórios de ir permita focar nas apostas que importa fazer", sublinha Jaime Quesado.
Falta investimento, pessoas, capital e uma dimensão estratégica como a que Michael Porter apontava.
"A entrada maciça de fundos comunitários na nossa economia representava uma grande oportunidade em termos de reposicionamento estratégico das nossas fileiras e das nossas empresas - Michael Porter acaba por vir ao nosso país, a convite do Governo, e desenvolve um estudo que ficou célebre e onde apontou para vários setores da nossa economia, em particular os mais tradicionais, uma narrativa de aposta na competência e qualidade estratégica. Ou seja, na competitividade", refere o autor. O estudo de Michael Porter sobre a competitividade da economia portuguesa data de 1994 e foi encomendado por Mira Amaral, então ministro da Indústria.
Mas será que "a receita Porter" ainda é válida? "O estudo que Michael Porter realizou há 30 anos está mais atual do que nunca - a tónica colocada na aposta em clusters de referência - automóvel, têxtil, turismo, entre outros - veio-se a revelar estratégica e permitiu que algumas áreas como o agroalimentar, a saúde tivessem consolidado uma perspetiva de valor assente muito na inovação e internacionalização. O problema é que apesar destas apostas continua a faltar um modelo de gestão competitivo - melhor organização da gestão, mais cooperação empresarial, diversificação de mercados - que tem condicionado a evolução da nossa matriz competitiva", refere o economista em declarações ao JN.
Precisamos de um Pedip Nova Geração, focado no digital e na sustentabilidade.
"Quando se fala em crescimento da nossa economia, fala-se de forma obrigatória no papel que os muitos milhões provenientes de Bruxelas tiveram para a melhoria da nossa base competitiva - com impacto claro na modernização infra estrutural do país e na melhoria da organização da sociedade e economia em muitas das suas dimensões", escreve o autor. O seguinte quadro dá uma ideia da "chuva de milhões" proporcionada pela nossa integração europeia.
O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) trará pelo menos 18,2 mil milhões de euros a Portugal até ao final de 2026. O país precisa de aproveitar esta onda de fundos? "Precisamos de um Programa Específico de Desenvolvimento Industrial (Pedip) Nova Geração - focado no digital e na sustentabilidade - que recrie a política industrial em Portugal e nos ponha novamente no patamar superior em termos de indicadores de inovação e tecnologia", refere Jaime Quesado.
Jaime Quesado, economista e MBA pela Universidade do Porto, tem exercido ao longo dos anos funções de gestão nos setores privado (Grupo Amorim, AEP) e público.
A pandemia e a guerra vieram alterar a lógica da globalização? "Não estamos ainda perante uma desglobalização acentuada mas há uma recentragem nacionalista e em novos blocos que irão ter impacto no futuro. A União Europeia está numa situação de 'stuck in the middle' (entalado no meio), sem estratégia, como demonstra a falta de resposta ao Isolation Act dos EUA e a dinâmica imperialista da China. Portugal tem neste contexto que acentuar a vocação de plataforma Atlântica e apostar no investimento direto estrangeiro como a chave para o futuro".