Daniel Bessa considera que Portugal "mudou de regime" anteontem à noite com as medidas de austeridade anunciadas pelo Governo e que também acabaram "alguns tabus". Numa conferência na Guarda, o economista disse-se que temos que mudar de vida.
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"Isto foi o fim de um desvario colectivo em que 10 milhões de criaturas pensavam que se podiam endividar à ordem de dois milhões de euros por dia durante 10 anos sem se preocuparem com as consequências", sintetizou Daniel Bessa na 19.ª sessão dos Encontros Millennium BCP, que decorreu no Teatro Municipal da Guarda.
Perante meio milhar de pessoas, o ex-ministro da Economia contextualizou os acontecimentos ao explicar que o Governo estava pressionado pelos parceiros europeus, sobretudo a Alemanha, e já não tinha "muito tempo" para se decidir. "Bruxelas estava à espera de notícias e o Fundo Monetário Internacional (FMI) também queria saber se tinha que vir fazer o serviço", afirmou, acrescentando que "o que os protagnistas internos dizem é completamente irrelevante".
E avisou: "Sem este anúncio do PEC III, estaríamos a conversar sobre a suspensão dos financiamentos da União, da chegada do Fundo de Ajuda europeu e, com ele, do FMI". O professor da Escola de Gestão do Porto confidenciou estar "aliviado" porque "alguém confessou um grande pecado e está em paz".
A partir de agora, "só pode haver boas notícias", tranquilizou, destacando a descida dos juros da dívida portuguesa ontem. "Se não cedessem alguma coisa era sinal de que não nos tinham levado a sério", declarou, ao constatar que o mundo está numa "expectativa benevolente" pelo que Portugal fará a seguir. Pediu, por isso, mais concretização do que nos PEC anteriores.
Daniel Bessa vislumbrou ainda o fim de dois "tabus" que têm condicionado a política económica nacional: "Os salários da Função Pública vão baixar, o que é mais obra do que aumentar o IRS, e serão reduzidas as transferências para as autarquias, isto sem ter sido necessária uma revisão constitucional", ironizou.
Mas não chegará sem que se mudem "alguns hábitos", como no Serviço Nacional de Saúde (SNS). "Não me admirará que o Ministro das Finanças anuncie também alterações importantes nesta área", disse. No entanto, o economista considerou que a nossa economia não vai escapar a uma recessão em 2011, enquanto o défice deverá agravar-se.