Num ano, emissão de CO2 aumentou 15% nos dez aeroportos nacionais. Preocupação com o ambiente faz crescer adesão ao movimento No-Fly.
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A jovem de 16 anos que despertou o Mundo para as alterações climáticas chegou a Lisboa, no início do mês, de veleiro ecológico. Desde 2015 que a ativista Greta Thunberg não viaja de avião. Como ela, há cada vez mais gente a evitá-los. Mesmo que isso signifique não sair do país ou viajar à boleia e passar dias dentro de um comboio. Ainda assim, o transporte aéreo todos os anos bate recordes. Em 2018, os aeroportos da União Europeia receberam 1100 milhões de passageiros, mais 63 milhões do que em 2017, revelou o Eurostat.
Se pusermos os olhos em Portugal, há dois anos, os dez aeroportos do país emitiram quase 900 mil toneladas de CO2. Mais 15% do que em 2016. E o número vai continuar a aumentar: só até setembro deste ano, Portugal já ultrapassou os 45 milhões de passageiros, mais 7% do que em 2018, ano em que, no total, os aeroportos superaram a marca dos 55 milhões de viajantes. O Porto é o que tem maior crescimento de tráfego. Até setembro, aumentou em mais de 10% os passageiros. Mas é Lisboa, com 23 milhões de viajantes até ao mesmo mês, que continua à frente. De tal forma que, contra os apelos dos ambientalistas, o aumento do tráfego levou às obras de expansão do Humberto Delgado, enquanto se projeta um novo aeroporto no Montijo.
7 vezes mais CO2 do que comboio
As contas da Associação Zero dizem que um voo entre Lisboa e Porto pode emitir sete vezes mais dióxido de carbono do que o comboio. Mas o aumento da loucura dos voos tem levado cada vez mais pessoas a aderirem ao movimento No-Fly, que começou na Suécia, e a reduzir drasticamente as viagens de avião.
Há muitos a fazê-lo em Portugal. Mesmo quando a indústria reclama que o avião só é responsável por 3% das emissões de dióxido de carbono no Mundo, ao mesmo tempo que os ambientalistas defendem ser 5%.
Enquanto uns discutem números, outros tomam ações. Tiago Pinho e Joana Nogueira largaram os trabalhos para viajar. Em onze meses, o casal varreu 21 países, da Europa ao Extremo Oriente. O único voo que apanharam foi para Budapeste, tudo o resto fizeram à boleia, de comboio ou autocarro. "Voámos porque tínhamos o tempo limitado. Mas numa viagem de quase um ano, um voo de três horas não é nada. O que seria se tivéssemos apanhado um avião entre todos os países", diz Tiago.
No perfil de Instagram Partir para Ficar partilham uma viagem sustentável e provam que não só é possível, como vale a pena conhecer o Mundo sem voar. Mesmo que tenham passado três dias num comboio na Índia, um dia inteiro para percorrer 100 quilómetros, que tenham sido escoltados no Paquistão e que Tiago tenha sido preso na Indonésia. "Não trocava. Conheci muita gente e lugares que os turistas nunca conhecem". Atravessaram fronteiras no Bangladesh, Vietname ou Timor. "É mais difícil, mas é muito mais recompensador".
Também há quem aproveite a projeção mundial para deixar um alerta. A banda britânica Coldplay adiou a divulgação do novo álbum para não ir em digressão. Tudo em nome do ambiente e num ano em que se bateu o recorde de voos num dia: 230 mil a 25 de julho.
Vive da praia, pouco usa carro e quase não tem roupa
Fernando Jorge Paiva não se lembra bem, mas andou de avião umas duas ou três vezes. Tem 49 anos. Num mundo em que as pessoas andam cheias de pressa, "a uma velocidade estonteante", ele anda devagar. Vai todos os dias ao mar. Vive na praia da Barra, em Ílhavo, onde dá aulas de surf. Um trabalho que basta para a vida minimalista que leva. Em 2014, quando fundou o movimento Não Lixes, em cinco dias tirou 214 carros de compras do rio Mondego, resultado das festas académicas de Coimbra. E nunca mais parou.
Hoje, promove iniciativas ambientais. Limpa lixo das praias, apanha beatas, dá palestras em escolas. Mas só num raio de 50 quilómetros. Porque não tem carro.
"Para quê? Vivo ao pé da praia e o meu trabalho é aqui. Tiro o pijama e visto o fato de surf. Quando preciso, peço emprestado à minha família, há sempre um que não está a ser utilizado". Seis anos na universidade em quatro cursos deram-lhe uma visão ampla do Mundo. "Percebi que tinha que ter um estilo de vida mais acertado. O planeta não está a aguentar. Da mesma forma que aspiro a minha casa, também tenho que tratar do planeta".
É caso raro: "Tenho tempo, a maioria das pessoas não. Andamos loucos, não quero essa vida". Claro que gostava de ir às melhores praias: Brasil, Tailândia, Indonésia. "Mas tinha que trabalhar muito para pagar e ia poluir de forma gigantesca só para dizer que fui. A fatura é muito pesada. As pessoas andam frenéticas para andar de avião. Já ouvi coisas ridículas como "amanhã vou a Paris almoçar porque os voos estão a 9,99 euros"".
Não é fundamentalista. Sabe que há quem precise de usar avião. Mas "não estamos bem". Vê o mar subir todos os anos. "Sei que vou ter que sair do paraíso onde adoro viver".
Por não andar de avião, Fernando deixa de visitar familiares. "Abdico disso em prol da espécie humana. A maior parte das pessoas não quer saber. Quer mais turismo, mais aeroportos".
Compra tudo a granel, não se rende ao plástico, corre descalço. Nas duas gavetas de roupa, tem sete t-shirts brancas, três pares de calças pretas. "Visto-me sempre da mesma maneira. Tenho uma vida brutal. Acho que sou mais feliz".
De Dublin a Portugal sem voar, a viagem mudou-lhe a vida
Quando Ana Santos descobriu que o voo que apanhava em Dublin, Irlanda, onde estava emigrada desde 2016, para Portugal custava ao planeta 0,19 toneladas de dióxido de carbono só por um passageiro caiu-lhe a ficha. E, este verão, decidiu fazer algo diferente. A enfermeira de 33 anos pegou na bicicleta que comprou em segunda mão no centro de Dublin e fez-se ao caminho numa viagem eco-consciente. Quis chamar a atenção para um estilo de vida sustentável: voltou ao seu país de barco, bicicleta e comboio.
Ana saiu de Dublin a 1 de agosto. Mas antes lançou uma campanha de angariação de fundos para a Greenpeace (um euro por cada quilómetro percorrido de bicicleta): mil no total.
"Eu ia sempre de avião para casa, uma forma rápida e segura, mas altamente poluente. Decidi fazer uma viagem diferente. Estou muito ligada à área da saúde natural, o que me levou a ter atenção ao meio ambiente e às alterações climáticas. E a poluição que está por trás do transporte aéreo é de tal forma significativa que chega a ser assustador".
Viajou de Dublin até Cherbourg, em França, de ferry. "Em Cherbourg há ciclovias que vão pela costa francesa até Hendaye". Foi aí que a jovem da Feira começou a pedalar. Passou 20 dias a andar de bicicleta. Tinha feito preparação física. Embora já em Dublin fosse de bicicleta para todo o lado porque não tinha carro. "A bicicleta que levei chama-se Freddie, quando a comprei em segunda mão trazia um autocolante com uma ilustração de Freddie Mercury". Desfez-se da velha "amiga" em Hendaye, onde a doou. E seguiu de comboio até Portugal, onde chegou no dia 19. Conseguiu 850 euros para investigação científica para a Greenpeace.
A viagem foi de tal forma transformadora que decidiu começar a evitar os aviões. Em outubro partiu para cinco meses na Ásia, só apanhou voo de ida. Está a viajar de comboio entre países. "As alterações climáticas são o resultado de vários anos de condução perniciosa humana. Ainda vamos a tempo de reverter o que temos vindo a fazer. Mas ninguém consegue isto sozinho. Temos que unir forças com governos, lóbis e grandes empresas".