Portugal ficou a cerca de duas mil toneladas de esgotar a quota nacional, a mais alta dos últimos dez anos. Polémica com a indústria conserveira.
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Foi a quota mais alta dos últimos dez anos e marcou o fim de uma longa batalha dos pescadores. Em 2018 e 2019, chegaram a trabalhar apenas três meses por ano. Em 2022, o cenário inverteu-se: com a sardinha a 65 cêntimos o quilo na lota, pararam os barcos e não esgotaram a quota. Sem comprador, multiplicaram-se nas redes sociais as imagens de barcos a deitar sardinha fora. Em cinco anos, as possibilidades de captura mais do que triplicaram e o preço médio desceu para metade. Os pescadores depositam fé na certificação que se espera venha valorizar a sardinha nacional. E que a indústria conserveira retome as compras de outros tempos.
"Não havia mercado e o melhor foi parar", afirmou Agostinho Mata, presidente da Propeixe - Cooperativa de Produtores de Peixe do Norte, que agrega 24 barcos da pesca de cerco, a trabalhar em Matosinhos e Peniche. Em Matosinhos, a frota parou dia 9 de dezembro. Em Viana, dia 16. Quem lá anda, garante que não ganhavam para as despesas e estavam a deitar fora 80% do que capturavam.
Contas feitas, das 29400 toneladas que estava autorizada a pescar, a frota portuguesa terá capturado cerca de 27 mil.
Anos negros
Desde 2012, que Portugal não tinha a possibilidade de capturar tanta sardinha. Em abril, anunciada a quota, os pescadores aplaudiram. Diziam, finalmente, adeus aos anos negros. Entre 2011 e 2018, a quota desceu sem parar, passando das 58 mil toneladas para 7900. Em 2018, o preço médio anual bateu recordes: 2,26 euros/kg e, nos santos populares, atingiu uns proibitivos 17 euros/kg.
O stock havia batido no fundo, com o Conselho Internacional para a Exploração dos Mares (ICES) a aconselhar para 2018 e 2019 "pesca zero", como forma de proteger o recurso. Portugal manteve sempre a frota a trabalhar, mas a quota não chegava para mais de três meses de safra e, ainda assim, sempre com limites diários e dias obrigatórios de paragem. A pesca do cerco sofreu. A partir daí, foi ver subir a quota e descer o preço.
comprar lá fora
Com 29 400 toneladas para pescar em 2022, a frota voltou ao mar a 1 de maio. O início da safra foi bom. Depois, vieram os santos populares, o verão, o turismo, a retoma da restauração, já sem as restrições impostas pela pandemia. A partir de outubro, a frota contava com a indústria conserveira, mas, dizem, "as compras não são as de outros tempos".
Fruto da concorrência feroz, a indústria diversificou as conservas, que, para além da sardinha e do atum, se fazem, agora, de quase tudo: cavala, carapau, biqueirão, bacalhau, polvo, mexilhão, berbigão e lulas. E, a braços com quotas nacionais baixíssimas nos últimos anos, a indústria foi obrigada a procurar sardinha noutros mercados (sobretudo, Marrocos e Inglaterra). Agora, há contratos a cumprir nesses países.
A Associação Nacional dos Industriais de Conservas de Peixe (ANICP) nega estes argumentos. "A indústria abasteceu-se em outros mercados para manter a sua atividade, mas, neste momento, não existem contratos com o mercado internacional".
A associação garante que "prioriza a sardinha nacional e abastece-se prioritariamente em Portugal", e atira com números: este ano, indústria e congelação compraram seis mil toneladas de sardinha. As negociações para o próximo ano já decorrem e a ANICP espera "chegar a um acordo confortável para ambas as partes".
"Esperamos que a certificação, que estamos prestes a conseguir, venha valorizar a sardinha nacional, aumentar a procura e fazer subir um bocadinho o preço", afirma o presidente da Apropesca - Organização de Produtores de Pesca Artesanal (Apropesca), Carlos Cruz, que mantém a fé num 2023 melhor. Por agora, sardinha fresca só a partir de maio.
Quantidades para 2023 só devem ser fixadas em abril
A quota da sardinha só deverá ser fixada em abril, uma vez conhecido o parecer do Conselho Internacional para Exploração do Mar (ICES) e concluídas as negociações entre Portugal e Espanha. Já no biqueirão, a safra arranca a 8 de janeiro com quotas provisórias. Os valores definitivos, que rondarão as oito mil toneladas, só deverão ser conhecidos em junho. Para já, sabe-se que Portugal terá, este ano, mais carapau, pescada, tamboril e areeiro para pescar. A ministra veio satisfeita de Bruxelas, os pescadores nem por isso. A quota da pescada sobe de 2286 para 4645 toneladas, o tamboril aumenta 12% (até 689 toneladas), o areeiro 33% (para 92 toneladas) e o carapau 15% (para 117 126 toneladas). Mantêm-se as quotas do goraz, linguado e raia-curva. Descem as possibilidades de captura do atum-patudo (-29%), do lagostim (-16%) e da palmeta (-5%). Do lado de quem anda ao mar, Manuel Marques, da Associação de Armadores de Pesca do Norte, lamenta o aumento de capturas que foram autorizadas "sem sentido", como no caso do carapau, em que o país pesca cerca de 20 mil toneladas/ano e nunca chegará às 117 mil aprovadas para 2023. Também a quota da pescada não foi totalmente utilizada em 2022. Já a raia-curva, com apenas 15 toneladas, merece críticas e muitas. Os pescadores queriam ver Portugal a batalhar por quotas que "realmente fazem falta".
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160 barcos e dois mil pescadores
Na pesca do cerco, há cerca de 160 barcos em Portugal. Destes, 114 pescam anualmente mais de 10% em sardinha. Todos juntos, empregam diretamente mais de dois mil pescadores
O início do problema
Em 2011, a falta de sardinha no mar fez soar os alarmes. O país pescou, naquele ano, 57 mil toneladas. Seguiram-se oito anos de redução drástica de capturas. Tudo pela defesa dos stocks de um recurso que é uma das imagens de marca de Portugal.
Certificação perdida
Em 2010, a sardinha portuguesa alcançava o mais alto galardão da pesca sustentável: a certificação do Marine Stewardship Council (MSC). Perdeu-o dois anos depois, fruto da redução drástica dos stocks e da falta de medidas - nas palavras do MSC - de proteção do recurso. Agora, deverá recuperá-lo outra vez.
Depois do apertar de cinto...
Em 2021, os cruzeiros científicos traziam boas notícias: há 15 anos que não se via tanta sardinha no mar. Entre 2019 e 2021, a biomassa (quantidade de sardinha no mar) duplicou.
Preços caem a pique
Em cinco anos, o preço da sardinha passou de 2,26 euros em 2018 para 1,28 em 2022 (só considerando dados até setembro - os últimos já compilados pela Direção-Geral de Recursos Marítimos). É preciso recuar a 2013 para encontrar um preço médio tão baixo.
